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Ironman Vegano

imagem-atleta vegano - Daniel Meyer - praias_e_trilhas_2008

A verdade é que, apesar de estar com muita vontade de participar desta corrida, eu já havia me programado para não corre-la, já que ela aconteceria duas semanas após o K42 em Bombinhas SC, uma maratona de montanha em que eu já estava inscrito. Porém, uma semana depois desta maratona de montanha eu estava me sentindo muito bem e, então, na terça-feira que antecedeu a 6ª Volta de São Francisco do Sul 90 km eu assisti um vídeo do Desafio Praias e Trilhas 84 km, prova que eu havia vencido ano passado (2008), e enquanto as imagens passavam em minha cabeça, eu me via cada vez mais, tomado por uma enorme vontade de correr os 90 km em São Chico. Só havia um problema, as inscrições já haviam acabado há muito tempo, mesmo assim mandei um e-mail para a organização praticamente implorando que me deixassem competir, por que eu queria muito correr. Logo recebi a resposta de que eu era um cara de sorte (como se eu já não soubesse), pois um atleta havia desistido e eu poderia assumir o lugar dele. Resumindo, eu decidi correr na terça feira, quarta feira eu já estava inscrito, os 90 km seriam no sábado e eu ainda precisaria conseguir uma equipe de apoio, já que o regulamento dizia que cada equipe deveria ser responsável pela sua própria alimentação e hidratação, maravilha! Quanto à equipe de apoio eu nem me preocupei, pois, quem tem pais como os meus, sabe que nunca estará sozinho. Então fomos eu, minha mãe e meu pai para São Chico. Eu permaneci muito tranqüilo durante os dias que antecederam a prova, algo raro de acontecer, geralmente fico muito ansioso.


Bom, chegou o grande dia, acordei às 03h30min da madrugada para tomar o meu café da manhã, uma mistura de alimentos vegetarianos, que chamo de tigela de campeão, sempre trago de casa todos os alimentos que vou precisar nas competições, pré, durante e pós prova, terminei de comer e voltei para a cama. Acordei novamente às 05h45min, minha mãe já estava extremamente nervosa, como sempre, parecia que a minha calma estava deixando-a mais nervosa ainda. Chegamos ao pórtico de largada, abracei velhos amigos que junto comigo também iriam desfrutar de longas horas de dor e prazer! Éramos apenas sete atletas na categoria individual, seis homens, entre eles Áureo Adriano atual Vice Campeão da Br 135, uma corrida de montanha com 217 km, e uma super mulher, Débora Aparecida de Simas, dona da segunda melhor marca brasileira (207 km) em corridas de 24 horas, foi a primeira vez que a organização da prova abriu inscrições nesta categoria, e o tempo limite para a conclusão da prova era o mesmo das equipes de seis e três atletas, 6min40seg/km, ou seja, teríamos 10 horas para concluir 90km em um percurso onde encontraríamos vários obstáculos, como: três travessias de rio, a subida de uma escadaria contendo 226 degraus, 1,7km de trilha com subidas e descidas bem acentuadas e, do km 40 ao 60 nada mais nada menos do que 20km de praia inclinada e com areia fofa, realmente o tempo limite para conclusão da prova impedia a participação de muitos corredores na categoria individual.


Largamos! Saí bem tranqüilo, na quarta colocação, inclusive atrás da Débora, o dia seria longo e eu estava determinado a fazer a minha corrida e não me deixar levar pelos adversários, mesmo por que, eu me sentia bem, mas não estava na minha melhor forma. Aos poucos fui me aproximando da Débora, encostei do lado dela, e brinquei, dizendo que hoje eu seria o seu guarda costas, pelo menos por um bom tempo, seguíamos em um ritmo fácil, conversando com ela eu disse que achava que os dois primeiros colocados haviam saído muito forte para uma prova desta grandeza. Chegamos à primeira travessia de rio juntos, e ali, no km 24 nos separamos, era preciso até dar umas braçadas para atravessar o rio, acabei me distanciando da Débora que teve muito mais dificuldade do que eu para realizar a travessia, foi muito estranho nadar de tênis, pochete, garrafa de água e boné, mas esta mudança de posição (da vertical para a horizontal) e a água gelada me fizeram muito bem, senti as pernas muito mais relaxadas, olhei para trás e vi que eu havia me distanciado da Débora, o que em um primeiro momento me fez ficar um pouco triste, por não ter nem me despedido, mas logo pensei melhor e vi que ainda havia muita corrida pela frente e nada impedia que ela desse o ar da graça mais adiante, corridas deste tipo são muito imprevisíveis. A partir daí segui sozinho, desfrutando da solidão de um ultramaratonista e da linda paisagem que o lugar oferecia, eu estava em terceiro, atravessei mais dois rios, e as coisas iam bem, lá pelo km 32 minha mãe me disse que um dos corredores que estava na minha frente havia parado e meu pai falou que eu estava à 9 minutos do primeiro colocado. Depois de 37 km completados havia chegado a hora de enfrentar a grande escadaria que mais parecia uma parede com seus 226 degraus, e mais adiante 1,7 km de trilha onde corro muito bem, no meio da trilha um corredor do revezamento me passou e eu vi que o conhecia de provas de cross triathlon, resolvi então pegar uma carona, descemos alucinadamente, quando cheguei na seção 8, eu já havia completado 40 km, foi então que meu pai falou: Dani tu estais à 2 minutos do primeiro. E eu respondi: mas não eram nove? Ele disse: é, eram! Fiquei feliz com a notícia, no entanto eu sabia que o pior estaria por vir, 20 km de areia fofa depois de já ter corrido 40 km não seria nada agradável! Praia Grande, aqui vamos nós. Neste momento eu já avistava o Áureo que era o primeiro colocado, fui me aproximando com rapidez, ao chegar perto dele perguntei: lembranças do Desafio Praias e Trilhas? Ele disse: cara isso aqui é o meu calvário! Realmente por muito tempo as praias de areia fofa também foram o meu calvário no Desafio Praias e Trilhas, é muito ruim e desgastante correr neste tipo de terreno, a velocidade despenca. A paisagem era linda, mas ao mesmo tempo desoladora, Praia Grande é uma praia deserta, no começo tentei correr mais longe da água para não molhar os tênis, mas logo decide trocar de tênis, optei por um bem leve para poder correr até um pouco dentro da água onde a areia era menos fofa, não foi uma boa idéia, pois logo meus tênis estavam cheios de areia, resolvi então tirá-los e seguir descalço, aí melhorou um pouco, mas eu estava com receio por que não sabia se os meus pés iriam agüentar 18km na areia, as coisas estavam ficando difíceis, aquela praia estava me matando, o sol já começava a castigar e eu já havia começado a inventar formas de driblar a mente, eu estava começando a desconfiar que aquela praia não tinha fim! Em um momento de contemplação, olhando calmamente a paisagem comecei a ressitar um poema de Lord Byron:

Existe prazer nas matas densas,
Existe êxtase na costa deserta,
Existe convivência sem que haja intromissão no mar profundo,
E música em seu ruído,
Ao homem não amo pouco, porém muito a natureza.

Enquanto ressitava comecei a chorar, não pela dor que estava sentindo, mas sim por perceber o quanto eu era abençoado em poder correr ultramaratonas e por estar sempre cercado de pessoas que me amam. Realmente eu sou um cara de sorte. Depois de toda esta reflexão continuei seguindo meu caminho e o horizonte começava a dar indícios de que a praia tinha mesmo fim. Aleluia! Consegui concluir o trecho mais difícil da prova correndo praticamente tudo, exceto quando meus pais me davam suporte, onde eu aproveitava para caminhar. Agora o cenário iria mudar, seriam intermináveis estradas de areia e terra em meio à mata, até avistar novamente a civilização e chegar ao centro histórico da cidade onde estava montado o pórtico de chegada. Limpei os pés, pus meias limpas, calcei o tênis, me alimentei, me hidratei e continuei minha jornada, faltavam apenas 30 km, eu já estava bem cansado, minha velocidade havia diminuído bastante, minhas pernas doíam muito, a tensão nos meus joelhos estava muito forte, chegou um momento em que foi preciso ligar o piloto automático, quem corre ultramaratonas sabe como é, o corpo já não responde mais direito e...

Bom, assim eu fui seguindo, recebendo o tempo inteiro o incentivo e a ajuda dos atletas do revezamento, que foi de fundamental importância, sentir o carinho do pessoal me dava mais forças para continuar. Eu já começava a me preocupar com o Áureo e a Débora, eu sabia que estava muito lento e eles podiam estar próximos, mas do que adiantaria saber se estavam próximos ou não, eu não tinha condições de correr mais rápido, quanto mais disputar colocação, neste ponto eu já sabia que a Débora havia ultrapassado o Áureo e que tinha a intensão de fazer o mesmo comigo, esta mulher vem desafiando constantemente os homens em todas as competições que participa, ela já chegou entre os primeiros homens em várias competições. Em ultramaratonas as mulheres se aproximam muito do nível dos homens, é uma tendência mundial mulheres conquistarem as primeiras colocações neste tipo de prova.

Foi então que, faltando aproximadamente 8 km para o fim da prova, meu pai chegou de carro e disse que a Débora estava bem próxima, eu sabia que se continuasse naquele ritmo ela iria me passar, neste momento falei para a minha mãe que estava me acompanhando: pegue as minhas coisas (pochete e garrafa de água) vai para o carro que agora eu vou precisar voltar a correr de verdade. Dei um grito bem alto e fui, não sei da onde tirei forças, mas consegui voltar a correr bem, nestes últimos 8 km não solicitei em nenhum momento a ajuda dos meus pais, corri obstinado, sem me hidratar nem me alimentar, a emoção já começava a tomar conta de todo meu corpo, eu me sentia renovado, de alma lavada, eu já conseguia avistar o local da chegada, as dores haviam desaparecido, tudo tinha valido à pena. Quando cruzei a linha de chegada um turbilhão de emoções tomou conta de mim, até tentei conter o choro, mas não foi possível, eu precisava chorar, eu havia conseguido, foram 90 km de corrida em 9h e 19 segundos dando a volta na ilha de São Francisco do Sul, foi a maior distância que eu já corri em competições, foi doloroso, mas foi lindo, e agora eu quero mais, meus próximos desafios são: Desafio Praias e Trilhas 84km em outubro, Ultramaratona de 24 horas dos Fuzileiros Navais em novembro, Br135 (217 km) em janeiro de 2010 e se o Carlos Duarte abrir inscrições na categoria individual, a Volta à ilha de Florianópolis de 150 km em abril de 2010. Como sou vegetariano (não consumo carnes, ovos, leite e derivados), esta não é somente uma vitória minha, mais de todos os vegetarianos, esta é a vitória do vegetarianismo sobre a crença ultrapassada de que não é possível ser saudável e competitivo sem comer carnes, ovos, leite e derivados. É possível sim, a ciência já chegou a esta conclusão, a própria revista contra relógio já publicou matérias sobre o assunto e se depender de mim, vocês ainda terão muitas provas de que é possível. Força Vegetariana!

Queria agradecer a todos que me incentivaram durante o percurso e gostaria de fazer um agradecimento especial a Áureo Adriano e Débora Aparecida de Simas, vocês são de mais! É claro que eu não poderia deixar de agradecer também aos meus SUPER PAIS, Werner Meyer e Maria Ângela Costa, obrigado por tudo, amo vocês.

Daniel Meyer ultramaratonista, ironman e vegetariano

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