Familiares reunidos em torno da mesa
“[...] Palavra tristeza/Aqui na mesa/Para o deleite de vossa alteza [...]”
(Seychelles – À face do tempo)
Familiares reunidos em torno da mesa, com sentimentos híbridos de amor, obrigação, costume, e outros tantos. Pai, mãe, filhas, filhos, noras, cunhado, prima, namorada da prima, neto...
Uma criança pequena, ainda não totalmente civilizada, pergunta inocentemente porque o prato à sua frente tem olhos, boca e está sendo despedaçado pelo avô.
“Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo não vêem.” - J. Saramago - Ensaio sobre a cegueira.
Vivemos em um estado de dormência moral, que nos torna cegos e apáticos a muitos comportamentos considerados “normais e naturais” por uma sociedade de cegos. Acomodados a repetição dos erros de nossos antepassados - sem questionar a maioria deles - comemoramos o nascimento do filho de um Deus "misericordioso e benevolente", celebrando a paz e a compaixão; reunidos, em família, ao redor de ossos, músculos e vísceras que ora pertenciam ao corpo de animais de outras espécies.
A mídia que serve a interesses políticos e econômicos de forma inescrupulosa manipula a maioria das pessoas, que responde com um comportamento acrítico, manifestando uma típica doença dos tempos atuais: a cegueira ética condicionada. Incapazes de enxergar a verdade que tentam esconder de nós, vivemos enganados por vontade própria, desviando o olhar daquilo que nos incomoda.
Não parece que seja um comportamento natural, que seres humanos, que se dizem racionais, mais evoluídos, espiritualizados e sensíveis, sejam coniventes com as consequências de suas escolhas alimentares, que acarretam o aprisionamento, a tortura, o estupro, a escravidão, o assassinato e o consumo dos corpos de outros seres também capazes de amar, sofrer, e de sentir medo, angústia, dor, carinho e outras infinidades de sentimentos e sensações.
As propagandas veiculadas pelos meios de comunicação em massa nos mostram, a todo instante, perus, galinhas, porcos e vacas, felizes e ansiosos de contribuírem com o sabor de nossos pratos. Por mais que a indústria da morte tente nos convencer que as vacas e galinhas vivam soltas e felizes, nenhuma delas concordaria em ser assassinada para ter seu corpo consumido em uma festa religiosa para evocar a paz entre os homens.
Não há o que comemorar sentindo o cheiro da morte, sendo cúmplices desta onda de assassinato em massa, quando deveríamos estar de luto constante pela infinidade de animais mortos para saciar a fome de violência do homem.
“Quem sabe, esta cegueira não é igual às outras, assim como veio, assim poderá desaparecer. Já viria tarde para os que morreram....” - J. Saramago – Ensaio sobre a cegueira.
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