Nasci em uma família ovolactovegetariana (olveg). Os olvegs não comem nada de carne, nem vermelha e nem branca. Também não comem, ou não deveriam comer, aquilo que leva animais mortos (caldos de carne, gelatinas, queijos feitos com coalho animal, salgadinhos feitos com banha, etc.). Mas os olvegs comem ovos, leites e os derivados deles. E, por isso, eu diria que não é tão difícil ser olveg, pois é relativamente fácil encontrar salgadinhos de queijo, doces, biscoitos e pratos diversos que se enquadrem na categoria.
Apesar de relativamente fácil, não é possível descartar o hábito de ler os ingredientes dos alimentos industrializados e de perguntar sobre eles em festas de aniversário, na casa de amigos, em restaurantes ou coisas do gênero. Podem ter cozinhado o feijão com caldo de carne, pode ter frango na torta de palmito, essas coisas.
Ainda criança meus pais voltaram a comer carne, mas eu, provavelmente já acostumada a não comer “bicho morto”, continuei olveg. Não é difícil imaginar que, desde criança, escuto as mesmas perguntas sobre vegetarianismo (e as mesmas piadas também). Respondo as perguntas de maneira simples e direta, sem prolongar a conversa, a menos que as pessoas queiram. Rio das piadas boas, respondo aquelas que são ruins ou apenas dou uma risada para “levar na boa”.
Quanto mais velha eu ia ficando, mais alguns questionamentos incomodavam. E quanto mais concluía que não queria matar animais pra comer, mais achava incoerente o fato de usar um calçado ou uma bolsa de couro. Lendo discussões em fóruns na internet e vendo vídeos no youtube, acabei achando que errado mesmo é querer usar animais pro que a gente quer, uma vez que eles não estão nos dando a permissão para tal. Comecei a achar errado beber leite e comer queijos e ovos. Além disso, ficava incomodada por usar produtos de uso pessoal que provavelmente teriam ingredientes de origem animal ou teriam sido testados em animais.
Então, minha transição para o veganismo não ocorreu porque, de uma hora pra outra, eu decidi ser vegana e estabeleci regras de transição, mas porque quanto mais incomodada eu ficava com o uso dos produtos, mais eu evitava utilizá-los. De início, troquei shampoo, condicionador e sabonete, pois já tinha achado substitutos veganos nas prateleiras do supermercado. Descobri que o desodorante que eu usava estava “liberado”. E passei a comprar sapatos apenas de algumas marcas, porque sabia que o couro era sintético. Na alimentação, eu procurei receitas de bolos e tortas pra fazer e me informei sobre alguns industrializados que eu poderia consumir. E toda vez que batia aquela vontade de comer um queijinho ou qualquer outra coisa, eu refletia e reforçava minha decisão.
A certa altura eu já tinha reduzido alguns produtos e tinha, então, me decidido pelo veganismo. Fiz uma listinha mental de produtos que teria que abrir mão e sabia que enfrentaria uma resistência das pessoas. Foi dito que eu não deveria dar trabalho pra ninguém com minhas escolhas e eu passei a cozinhar ainda mais. Como não morava mais com meus pais, tinha mais autonomia com as compras e isso facilitou.
Faz 1 ano e quase 4 meses desde que cravei a data de referência – o que não é muito tempo. Hoje em dia, meus pais voltaram a ser olveg. Minha família e meus amigos sempre procuram oferecer alguma opção vegana quando fazem uma festa. E alguns até me enviam receitas que encontram por aí e acham interessante. Criei alguns novos hábitos, pois, hoje, além de ler rótulos, é preciso se informar sobre a procedência de alguns ingredientes ou sobre o processo de produção, com algumas empresas. Mas vários veganos fazem isso e divulgam na internet, o que poupa trabalho. Fora isso, hoje em dia leio mais atentamente a tabela nutricional dos alimentos enriquecidos e penso ainda mais nos nutrientes daqueles in natura, para garantir que não venha a ter nenhuma carência no futuro. Afinal, quando a gente é vegetariano, qualquer espirro é culpa da falta de carne.
Afinal, quando a gente é vegetariano, qualquer espirro é culpa da falta de carne.
Dos pratos que deixei de comer, alguns eu até descobri que originalmente eram veganos. O pastel de angu, típico da minha região, é normalmente oferecido nas opções carne moída e queijo. A massa é vegana e as opções podem ser substituídas por PVT e tofu, respectivamente. O queijo também tem várias receitas vegetais, com uma comunidade do orkut só pra eles, inclusive, apesar de eu não ser consumidora ativa de nenhum. O pão de queijo, também típico dos mineiros, pode ser feito apenas com batata, polvilho, água, óleo, sal e fermento. Existem inúmeras receitas de bolos veganos pela internet. Pão francês (de padaria) geralmente é vegano e várias receitas de pães também são. Existem muitas massas de pizza veganas e a cobertura pode ser sem queijo, com um requeijão de maisena, tofu ou outro queijo vegetal. Alguns pasteis de feira também são veganos, principalmente aqueles com recheio de palmito. Faço omelete só com inhame ralado, farinha e temperos. E ovo mexido pode ser feito com tofu mexido (apesar de eu não achar tofu com facilidade). Os doces “moles” que achava que sentiria muita falta, podem ser feitos usando leite de soja e maisena. Existem muitos chocolates veganos e eu descobri que os amargos são bem mais gostosos que os ao leite. Fazer hamburguer vegetal é fácil, também, e pode ser congelado. Pra fazer panqueca, também tem receita vegana. E por aí vai. É certo que não substituí todos os pratos da listinha, mas nem precisava, pois seria vegana da mesma forma. Mas que ajuda tê-los em opções veganas, ajuda, é claro!
Aquilo que inicialmente eu pensei que seria difícil, hoje em dia não é tão complicado. Não chega a ser super fácil, ainda mais porque minha cidade é pequena e alguns produtos não chegam aqui (ou são muito caros), mas vale a pena. E com o tempo a gente se acostuma com as marcas, com o processo de enviar email pros SACs ou fazer uma busca por emaisl já respondidos.
E não fiquei socialmente excluída de nada. Consigo frequentar diversos lugares e achar pelo menos uma batata frita pra comer e uma cervejinha pra beber e, em outros casos, já saio de casa alimentada, como fazia antes, quando era olveg. Alguns colegas fazem cara feia, outros aprovam e admiram e outros são simplesmente indiferentes. Faz parte! Sou feliz por ser vegana, porque acho que estou fazendo a coisa certa, dentro do que está ao meu alcance, apesar de nem todos concordarem com minha decisão.
Essa foi mais ou menos a minha experiência até hoje. Se algum vegano ou vegetariano quiser contar a sua, feel free, adorarei lê-la!!