Boicote de produto vs. boicote de empresa
Há uma imensa confusão no ativismo brasileiro em relação ao boicote de empresas e ao boicote de produtos. Curiosamente, quando uma marca de uma grande empresa lança um produto vegano, alguns veganos ainda buscam criticá-la. Sempre me pergunto por que esses mesmos ativistas são indiferentes quando essas mesmas empresas lançam produtos com ingredientes de origem animal, mas ficam euforicamente nervosos quando elas lançam produtos livres de ingredientes de origem animal e que não dependem de testes em animais. Isso me leva a crer que alguns ativistas estão mais preocupados com o que veganos devem consumir do que com o que não veganos podem ter a oportunidade de consumir. Esse tipo de pensamento é compreendido quando entendemos melhor o mindset pragmático e o mindset idealista.
Geralmente, os ativistas com mindset idealista querem boicotar produtos veganos que pertencem a empresas ou holdings não veganas. Mas, na maioria das vezes, esse boicote é desejado pelo fato de a empresa ou holding testar em animais para outros produtos, e não necessariamente por ela explorar animais para a produção de ‘‘alimentos’’.
Pra começar a elucidar isso, vamos aos seguintes fatos:
- Não existe qualquer diferença moral entre explorar um animal para alimentação e explorar um animal para testes;
- Boicotar um produto vegano (vegetariano estrito e que não depende de testes em animais) de uma empresa que testa em animais para outros produtos é a mesma coisa que boicotar um produto vegano de uma empresa que produz outros produtos de origem animal;
- Quanto mais produtos vegetarianos estritos que não dependem de testes em animais no mercado, melhor para os animais. Mais opções cruelty-free disponíveis e mais fácil é a transição para milhões de pessoas.
Vamos analisar as seguintes situações:
Situação1) Produto A. Não contém nenhum ingrediente de origem animal e não testa em animais, mas pertence a uma empresa que testa em animais para outros produtos.
Situação2) Produto B. Não contém nenhum ingrediente de origem animal e não testa em animais, mas pertence a uma empresa que abate animais para ingredientes para outros produtos.
A situação A é um biscoito da Mãe Terra. A situação B é um hambúrguer vegano do Prime Dog. Ambos os produtos são livres de crueldade, nem mesmo dependem de testes em animais, apesar de ambos pertencerem a empresas e/ou grupos que vendem outros produtos que dependem de exploração animal em sua cadeia de produção (Um para testes e outro para alimentação). Não há qualquer diferença moral entre a exploração para testes e a exploração para alimentação.
Quando ficamos sabendo que uma grande empresa mundial vai lançar um produto vegano, isso nos deixa extremamente felizes. Não necessariamente pelos veganos, mas pelos animais e por milhões de pessoas que ainda não são veganas que passarão a ter a oportunidade de consumirem produtos veganos nesses locais. Quando um vegano diz que nunca iria consumir tal produto, tudo bem! O ativista com mentalidade pragmática não quer dizer o que o vegano deve ou não consumir; o ativista com mentalidade pragmática quer que cada vez mais pessoas não veganas tenham cada vez mais opções veganas para consumir, principalmente em grandes supermercados e restaurantes com grande quantidade de unidades no Brasil e no mundo.
Buscando pensar de forma pragmática, nós devemos boicotar sempre a nível de produto, não a nível de empresa. Se o produto é vegetariano estrito e não depende de testes em animais, ele deve ser encorajado, mesmo que pertença a uma empresa que explora animais. Somente dessa forma as grandes empresas passarão a investir mais em produtos livres de crueldade. Se elas perceberem que ninguém compra e que – pelo contrário – as pessoas querem boicotar, elas irão continuar investindo pesado em produtos que dependem de exploração animal.
Hoje em dia, cada vez mais produtos que podemos encontrar em todo o território nacional pertencem a grandes grupos, e ainda não há nenhum grande grupo 100% vegano no mundo. E não só isso, mas os próprios alimentos de origem vegetal que compramos nos supermercados, em sua maioria, vêm de fazendas de grandes produtores que, além do cultivo de vegetais, também criam animais para consumo.
Um outro dado importante a ser ressaltado é de um estudo recente que mostrou que 84% de todos os veganos e vegetarianos voltam a consumir produtos de origem animal em algum momento. O fato mais chocante é que, desses 84%, quase metade argumenta que volta a comer porque a questão do ‘’purismo’’ é muito difícil na nossa sociedade. A questão é que esse ‘’Purismo’’ é imposto por ativistas que querem boicotar a nível de EMPRESA, mesmo que alguns produtos sejam vegetarianos estritos e não dependam de testes em animais.
Quando queremos boicotar empresas e não produtos, nós mandamos a mensagem para pessoas que ainda não são veganas de que é praticamente impossível se tornar vegano. Que elas não vão poder comer opções veganas que podem ser lançadas no Subway, no McDonald’s, no Prime Dog, na Ben & Jerry’s ou em qualquer restaurante tradicional.
Ao mesmo tempo, se mostrarmos o quão fácil é a transição, e que existem diversos produtos veganos, mesmo de empresas que ainda exploram animais para outros produtos, isso faz com que as pessoas entendam que não é tão difícil como algumas pessoas indicam ser. E eles se tornam muito mais propensos a parar de consumir animais.
Bom, alguns exemplos fáceis pra entender melhor isso:
-A Beyond Meat é uma das maiores empresas de carnes vegetais do mundo. Recentemente, a Tyson, a maior empresa de proteína animal dos EUA, comprou 5% da Beyond Meat.
-A Gardein também é uma das maiores empresas de carnes vegetais do mundo. Mas parte da empresa também foi vendida para uma empresa que vende produtos que dependem de exploração de animais, que é a Pinnacle.
Esses produtos veganos são consumidos por milhares ou milhões de veganos nos Estados Unidos e, ainda melhor, por milhões de não veganos que estão experimentando esses produtos por conta da alta qualidade.
Abaixo, imagem do hambúrguer da Beyond Meat, muito semelhante ao hambúrguer animal e que vem conquistando cada vez mais admiradores, principalmente no público não vegano (ainda). É estimado que 70% dos consumidores desse produto hoje sejam não veganos. Ao invés de consumir produtos de origem animal, eles estão optando pelo Beyond Burger e, pouco a pouco, enfraquecendo a demanda por produtos de carne.
Hoje eles são produtos veganos pertencentes a grupos que exploram animais. Se fôssemos boicotá-los, estaríamos prejudicando duas das empresas que mais contribuem e ajudam novas pessoas a adotarem o vegetarianismo estrito no mundo. Milhões de animais são salvos por causa dos produtos dessas empresas.
Infelizmente, seria utópico esperar que as grandes empresas de alimento entrem em falência, mas é possível esperar que elas mudem. Se elas investirem em produtos livres de crueldade e tiverem aceitação dos consumidores, elas irão cada vez mais investir nessas soluções. Cada vez mais pessoas terão mais e melhor acesso a esses produtos e menos animais serão criados, explorados e abatidos.
Então, quando uma grande empresa alimentícia lança um produto vegano, vamos lembrar: Ela está investindo em um produto livre de crueldade. Quanto maior for o consumo, mais atenção ela dará a isso.
Isso vai ajudar e facilitar que milhões de não veganos experimentem e conheçam essa opção muito mais facilmente.
Apenas uma lembrança importante: Você, vegano, não precisa comer esses produtos. Mesmo assim, ele pode salvar a vida de milhões de animais e facilitar a transição de muita gente.
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