A exportação de animais vivos e as gaiolas em bateria
Os horrores da exportação de animais vivos para abate já eram alvo de algumas ONGs como o FÓRUM Animal e a Animals International por pelo menos um ano antes da intervenção de corajosos ativistas no porto de Santos, que ocorreu no início de 2018 e fez com que essa prática ganhasse a atenção da imprensa em todo o Brasil.
Essa foi a primeira vez que quase todas as principais frentes do movimento vegano do Brasil se uniram por uma pauta de melhorias imediatas com o objetivo de proibir uma prática que impõe intenso sofrimento a milhões de animais. As campanhas pelo fim da exportação de animais vivos para abate vêm servindo não apenas para banir essa prática que nunca deveria ter existido, mas também como mais um caso prático no qual se torna visível como podemos avançar rumo ao fim da exploração animal atuando também com campanhas corporativas e governamentais por melhorias imediatas para os animais.
É interessante observar que a prática de campanhas por Melhorias Imediatas é bem nova no Brasil. O ativismo no país sempre focou mais no info-ativismo e nas ações diretas. De um tempo pra cá, contudo, novas formas de ativismo vêm sendo aplicadas por mais e mais grupos. Pressionar o governo e/ou empresas para banir as piores práticas de crueldade animal é uma forma de ativismo que pode ser bastante eficiente, pois é capaz de trazer resultados e avanços efetivos de forma imediata e, com isso, reduzir o sofrimento de centenas de milhões de animais – ainda que isso ainda seja algo bem diferente e distante do que buscamos para eles.
Quer queira, quer não, as campanhas pelo fim da exportação de animais vivos para abate são como as campanhas pelo fim das gaiolas em bateria, pelo fim das celas de gestação, pelo fim da prática do foie gras, e muitas outras que não evitam a morte dos animais explorados, mas são capazes de reduzir significativamente seu sofrimento. Para elucidar um pouco mais, aqui vão algumas informações importantes sobre as Campanhas por Melhorias Imediatas.
Por que não pedir às empresas e ao governo pelo fim total e imediato da exploração animal?
Se isso fosse viável, isso seria feito. Infelizmente, estimo que menos de 1% da população seja vegana. Pedir para empresas como supermercados que parem de vender produtos de origem animal ou ao governo para que fechem todos os abatedouros, hoje, é algo que certamente não irá trazer qualquer resultado. Em relação às empresas e ao governo, nós temos 3 alternativas de atuação. São elas:
- Não fazer nada;
- Pedir para que o governo ou as empresas façam algo que eles certamente não irão fazer, como por exemplo, fechar os abatedouros do país e parar de vender produtos de origem animal;
- Pedir por algo que seja razoável para eles e que possivelmente irão fazer, por exemplo, banir o confinamento de porcas nas cruéis celas de gestação.
As campanhas por melhorias imediatas tem a solução 3 como a melhor considerando nosso cenário atual.
Quais são as formas de buscarmos eliminar uma prática da indústria por meio de Campanhas?
- Pressionando empresas para que assumam o compromisso de banir as piores práticas da exploração animal em sua cadeia de suprimento. Campanhas corporativas geralmente possuem dezenas ou centenas de estratégias.
- Através do Legislativo, por meio de Projetos de Lei ou pressionando o Governo pelo fim de uma terrível prática através de pressão popular ou de outras táticas de campanha.
Quais são (ou podem ser) os benefícios das melhorias imediatas?
- Buzz na mídia. Quando falamos sobre Direitos dos Animais nas grandes mídias, levantamos a ideia de que os interesses dos animais devem ser considerados pela sociedade e pela lei. Algo que, comumente, ainda não é feito pela mídia.
- Reduzimos substancialmente o sofrimento de milhões de animais. O simples fim de uma prática pode significar uma redução significativa do sofrimento na vida de centenas de milhões de animais por ano.
- Indiretamente, reduzimos a quantidade de animais explorados. Quando há buzz na mídia, principalmente mostrando a situação a qual os animais são submetidos na indústria, é comum que a demanda total pelos produtos de origem animal caia. Ou seja, essas campanhas atuam positivamente também na redução do consumo.
- Frear o avanço de práticas cada vez mais cruéis da indústria em prol da lucratividade ou de questões ambientais. Se não fossem as centenas de campanhas por melhorias imediatas realizadas por ONGs em todo o mundo, a indústria de exploração animal estaria aumentando cada vez mais o sofrimento animal,implementando cada vez mais práticas cruéis em busca de aumentar cada vez mais a produtividade, incluindo o aumento do confinamento extremo. Muitas vezes, o confinamento também é realizado com a justificativa de que haverá maior preservação ambiental.
- Mobilização social. Angariar o apoio da população pelo fim de práticas cruéis pode fazer com que a sociedade comece a entender que devemos levar em consideração os interesses dos animais. Mudanças, inclusive de consumo, podem acontecer por conta desse fator.
As campanhas pelo fim da exportação de animais vivos para abate vêm sendo fantásticas. Os grupos envolvidos nas campanhas vêm agindo cada vez em mais sinergia e com mais compreensão do que pode ser feito. Antes vista como praticamente impossível, a possibilidade da proibição ganhou corpo e há grandes chances de termos uma decisão histórica em prol dos animais, que poderá ser usada para inspirar todas as ONGs e grupos do mundo.
A dedicação de inúmeros ativistas e grupos nessa pauta também é notável. Sem esses ativistas e grupos, certamente teríamos voltado à estaca zero no Brasil nesse assunto. Contudo, é importante sabermos avaliar a situação dia após dia e também ver o que pode ser feito em diversas outras frentes. No ativismo, muitas vezes acabamos agindo de forma desesperada, mas é importante mantermos a serenidade para sermos efetivos ao máximo a cada dia.
Bom, apesar de a exportação de animais vivos para abate só ter virado pauta no ativismo vegano esse ano, ela já acontece no Brasil há cerca de 20 anos. De 2006 até 2017, segundo o MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), 5,2 milhões de bois foram exportados vivos para abate no exterior, sendo a Turquia e o Egito os destinos da maior parte desses animais – provavelmente por conta das exigências do abate Halal.
Em 2013, quase 700 mil bois embarcaram nos navios da morte.
Veja abaixo a quantidade de bois vivos embarcados para abate desde 2006:
O fim dessa prática não significa que esses animais deixarão de ser explorados e mortos. Isso significa o não avanço de práticas cada vez mais cruéis e que milhões de animais deixarão de sofrer os horrores inimagináveis aos quais são submetidos nos transportes terrestres até os portos, nas longas semanas nos navios sem qualquer dignidade e nos processos de abate sem ou com pouquíssimas regulamentações em outros países.
Quando vemos um animal sofrendo na nossa frente, nós somos capazes de fazer o que for para aliviar o sofrimento dele. Nós, veganos, quando vemos um cachorro abandonado ou um porquinho resgatado de um abatedouro clandestino fazemos o inimaginável para aliviar ao máximo o sofrimento prolongado deles. Mas longe dos nossos olhares, encontram-se esses milhões de bois embarcando ano após ano nos navios da morte rumo ao abate em outros países. Nossa dedicação pelo fim dessa prática é válida, pode ser extremamente eficaz e acaba promovendo todos os benefícios listados acima.
Assim como a pauta da exportação de animais vivos para abate, existem algumas outras de impacto ainda maior. Por exemplo, de 2007 até 2017, enquanto pouco mais de 5 milhões de bois embarcaram vivos nos navios da morte, mais de 800 milhões de aves foram exploradas confinadas nas famosas gaiolas em bateria no Brasil. Vivendo cerca de dois anos em um espaço equivalente a uma folha de papel, sem conseguir sequer esticar suas asas. Elas passam suas vidas inteiras sem poder andar, pisar no chão, respirar ar puro ou sem receber qualquer cuidado veterinário adequado. Se é difícil pra nós ficarmos dentro de um metrô lotado por alguns minutos, imagine a vida dessas bilhões de aves nas últimas décadas no Brasil.
Confira abaixo a quantidade de bois exportados vivos para abate Vs. a quantidade de galinhas confinadas em gaiolas em bateria e mortas pela indústria de ovos no Brasil:
Neste exato momento, existem:
- Dezenas de milhares de bois sendo preparados para os navios da morte
- Aproximadamente 140 milhões de galinhas confinadas em gaiolas em bateria
- Quase 2 milhões de porcas confinadas em celas de gestação sem conseguirem nem sequer virar de lado
- Mais de 1 bilhão de frangos confinados em galpões superlotados
- Mais de 1 bilhão de peixes confinados em fazendas aquáticas, muitas delas em situação precária
Lutar por melhorias imediatas certamente não irá livrar os animais de todo o sofrimento ao qual são submetidos em fazendas e abatedouros. Enquanto existir demanda, existirá exploração e violência. Mas lutar por melhorias imediatas não exclui a possibilidade de também lutar para promover o veganismo. É possível atuar em diversas frentes e obter passos importantes rumo ao fim da exploração animal.
Qualquer mudança legislativa ou corporativa que possa reduzir significativamente o sofrimento de uma quantidade grande de animais – ao meu ver – é imensamente válida.
Similaridades entre as campanhas pelo fim da exportação de animais vivos para abate e as campanhas pelo fim das gaiolas em bateria, celas de gestação e outros procedimentos cruéis contra animais explorados para consumo:
Vantagens:
- Reduz drasticamente o sofrimento de milhões de animais antes de serem abatidos
- Acaba com uma prática da indústria
- Gera buzz na mídia e faz com que mais pessoas pensem sobre a necessidade de considerarmos os interesses dos animais
- Indiretamente, pode reduzir a demanda e, consequentemente, a quantidade de animais explorados e consumidos
Fatos:
- Não evita que esses animais sejam explorados e abatidos
Alguns dizem que se os animais sofrerem menos, isso vai fazer com que as pessoas se sintam ‘’menos culpadas’’ em consumir produtos de origem animal. Essa ideia não faz o menor sentido pra mim. Primeiro porque achamos que os argumentos morais do veganismo são fortíssimos. E segundo, porque, se colocando no lugar daqueles que sofrem, não faz o menor sentido queremos que haja sofrimento cada vez mais extremo porque ‘’só assim isso vai fazer com que as pessoas se sintam culpadas e adotem o veganismo.’’
Devemos ainda lembrar que há fortes indícios de que essa teoria não funciona na prática, tanto é que países como a Alemanha, um dos mais preocupados com a proibição de práticas cruéis na indústria, ao mesmo tempo apresenta um dos maiores índices de veganismo entre a população. Além disso, mesmo com as melhorias imediatas, ONGs e ativistas veganos nunca deverão parar de expor a realidade nas granjas, fazendas e abatedouros, que por menos cruel que fique, nunca deixará de ter sofrimento.
As campanhas por melhorias imediatas estão crescendo no Brasil e este é um importante sinal de que os principais agentes do movimento vegano no país já entendem a necessidade de atuação em diferentes frentes (mesmo quando não estamos restritamente falando de veganismo) rumo à libertação animal.
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