Uma sociedade ignorante perante a causa animal, desde criança
Desde 2005 eu venho vivendo algumas breves “sagas” de conscientização das pessoas em comunidades do orkut, quase sempre relacionadas à defesa dos animais. Minha primeira “saga” foi de indução ao boicote contra Jennifer Lopez - que ainda hoje usa casacos de pele, e felizmente decaiu muito em vendagem de discos - e a última foi denunciando a atitude ignorante e cega da banda CPM 22 de tocar em festas de rodeio. No meio tempo, entrei em diversas comunidades comuns (como a de Caruaru, a do Sport Recife e várias grandes comunidades católicas). Uma minoria apoiou minha causa em parte dessas comunidades, mas uma lamentável maioria demonstrou ignorância, desdém e alienação perante assuntos como a maldade contida em rodeios, vaquejadas e casacos de pele. Pelo que a turma terminou consentindo nessas comunidades ao não negarem meus argumentos, os alienados deixam entender que acham melhor apreciar que o CPM 22 tocasse um dia em eventos neonazistas (eu não disse que eles tocam, mas sim que esses fãs pareciam achar melhor) e que Jennifer Lopez matasse um arminho a pauladas do que entender a causa animal e o valor da compaixão pelos bichos, e mesmo os católicos aceitam o absurdo dogma de que o homem é “superior” aos animais não-humanos e pode fazer com eles o que quiser, fazendo São Francisco de Assis se revirar e chorar no túmulo. É a conseqüência da ignorância advinda do não-ensinamento midiático, familiar e escolar sobre a importância de se prezar pelos animais (ops, o prezo pela vida animal transcende o termo “importância”, do mesmo jeito que não se mede a importância de se gostar de uma pessoa de bem e proteger sua vida).
Vemos, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, perversos e viciosos ensinamentos consuetudinários em que animais em geral são considerados “coisas” sem sentimentos e sem valor espiritual - me refiro não a “espiritual” de religião, mas de ter personalidade, sentimentos, virtudes, etc.. É ensinado, sem nenhum fundamento racional válido, que algumas espécies (por exemplo, cães, gatos ou bois) têm mais valor que outras (como porcos e peixes em geral) e que apenas algumas delas não devem ser exploradas para consumo - mas ainda assim podem ser comercializadas e/ou aprisionadas para fim de tê-las por perto. Mas vou me restringir ao Brasil, que obviamente é o caso que eu posso descrever com minha experiência de vida.
As pessoas aqui, desde criancinhas, são induzidas a aceitar idéias enganosas e, quando analisadas com senso crítico e empatia taxonômica (de sentir-se no lugar da espécie alheia), constatadas como absurdas. Entre esses aspectos bisonhos, cito os exemplos dos circos com animais - que felizmente estão sendo pouco a pouco proibidos -, dos desenhos em que a vaquinha está feliz quando funcionários pecuaristas lhe extraem leite ou a galinha está contente por você ter escolhido sua carne ou seus ovos na refeição passada, e das maldizentes canções infantis populares, como a terrível “Atirei o pau no gato”. Ocultam os terrores que existem por trás da obtenção do leite e da carne, como o roubo de bezerros da mãe e a matança sem misericórdia de bois, e banalizam os maus tratos contra animais. Você acredita que até Vinícius de Moraes e Toquinho - logo eles! - já cantaram banalizando a maldade, em algumas canções dos discos A Arca de Noé 1 e 2? E o próprio Chaves do SBT - ah não, até tu, Chavinho?! - exibe gaiolas e induz a aprisionar peixes em aquários e comer presunto e frangos à vontade, como se nascessem em árvores! O efeito disso é óbvio: crianças sentirão prazer em, por exemplo, comer carne e ter aquários e gaiolas. Sem falar nos veículos de comunicação que criminosamente divulgam rodeios, vaquejadas, circos com animais, artistas com casacos de pele e muitos outros meios de agressão coletiva contra bichos e ainda por cima se omitem na função social de prover uma influência positiva e construtiva no que concerne ao respeito ao direito de todos os animais. Para lamento dos defensores animais, a meninada, por essa mídia, se desvia do valor humano que há em preservar a vida dos bichos e zelar por eles.
Em seguida, a educação dos pais é outra que questiono. Como não tiveram nem em suas gerações nem hoje os ensinamentos preciosos da valorização espiritual dos animais, tratam seus bichos com certa ignorância - por exemplo, afugentando seu gato da porta aos gritos e prendendo o cachorro no porão à noite - e, vez ou outra, danam-se a induzir seus filhos a idéias estúpidas e especistas, como estas: “ter um cãozinho Beagle soa melhor do que ter um vira-lata” (zôo-racismo), “compre animais que compensem o preço” (mercantilização da vida), “escolha aquele canário douradinho porque ele canta mais bonito” (perpetuação do aprisionamento de animais), “é tão lindo ter uma beta azulada nesse aquário” (idem)... É bem difícil ver um(a) pai/mãe dizer ao seu filho que animais não devem ser discriminados nem comercializados pois têm um valor espiritual que não se pode desprezar. Daí vemos as crianças estimando um cão mais que o outro, escolhendo e comprando gatos em pet-shops como se fossem produtos de marca, maltratando os animais sem tutor (dono não, tutor! Vide outro artigo meu) na rua e fazendo outros absurdos. São sérios vícios que passam de geração para geração, do mesmo jeito que um fanático religioso doutrina seus filhos a também serem fanáticos.
E também está no barco do não-ensinamento a escola. Desde as canções infantis que muitas escolas tradicionais ainda reproduzem, como a “Atirei...” e as d’A Arca de Noé, até a doutrinação alimentar com a falsamente indispensável carne nas aulas de biologia, ela se configura como cúmplice da perpetuação da segregação da vida animal. Eu pessoalmente nunca aprendi, nas escolas onde passei, sobre a preservação da vida dos animais, sobre vegetarianismo, sobre especismo, sobre maus-tratos contra animais, sobre quase nada que concirna aos direitos dos animais. Outro agravante é que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) sequer cita a palavra “animais”, um indicativo de que o aprendizado sobre os direitos dos bichos ainda é geralmente tratado como mero acessório dispensável por parte das instituições de ensino e pelo Ministério da Educação.
Sem pais, sem escola, sem mídia para se ensinar as crianças a terem amor incondicional, compaixão e misericórdia para com os bichinhos, continua-se formando gerações perversas e ignorantes. Daí, numa sociedade despreparada, os defensores divulgam seus valores, protestos e apelos e as pessoas vêm com desdém, ignorância e até agressividade. É daí que gente como eu é destratada, desdenhada, respondida com argumentos tão frágeis quanto idiotas, ignorada e, em algumas ocasiões, expulsa no fim de tudo, porque cometemos o “crime” de denunciar os podres dos músicos ou padres que os fãs ou fiéis tanto idolatram - e cujos atos seriam repetidos sem se pensar duas vezes. Essa demência coletiva se faz tão grande a ponto de dar a impressão de que parece ser impossível incutir nessa sociedade as idéias de que comer carne é imoral, rodeio é crime contra animais e o veganismo é o hábito de consumo mais ético que existe. Nessa aparente e virtual “impossibilidade”, o ser humano continua prazerosamente se portando como o diabo dos animais não-humanos - e de outros humanos também, lembre-se de que uma diabrura complementa a outra.
O que nós que escrevemos artigos como este e fazemos protestos contra as crueldades, sendo essa minoria desdenhada por grande parte da maioria, podemos fazer? O que sugiro é que persistamos e persistamos. Uma parte da maioria despreza nosso ideal, mas a outra parte se faz pensativa quando nós lhe pregamos o bem dos animais. E é essa turma compreensiva que vai aos poucos ceder seres pensantes para nós. Digo por experiência própria: graças ao bom Capitão Planeta, cujos ensinamentos eu jamais esqueci, e aos vegetarianos que estavam lá pregando suas idéias em seus sites e comunidades orkutianas enquanto eu estraçalhava carcaças de frango assado e peixes, estou aqui hoje fazendo minhas investidas de conscientização e mostrando às pessoas que ser vegetariano e boicotar produtos testados em animais são as melhores decisões a serem tomadas individualmente. Continuemos lutando persistentemente até obtermos o arrependimento e a redenção do já citado “diabo dos animais”.
Robson Fernando
http://rob-artigos.notlong.com
Robson é estudante de Gestão Ambiental no Cefet-PE. Nascido em 1987 no Recife, escreve artigos com tema livre, por inspiração e hobby. É vegetariano,
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