O jornalismo mal-orientado e seus riscos de propagar desinformação
(Resposta à reportagem “A moda (sic) do vegetarianismo - e seus riscos (sic) ”, de 28/11/2008, )
Mesmo num momento em que tanto se precisa de apoio, corroboração e reforço profissional, o vegetarianismo (junto com o veganismo) recebe ataques de gente que, carregando-se de preconceito e desinformação e esbanjando um jornalismo malfeito e parcial, o calunia como um hábito alimentar perigoso e não recomendável. Parte da mídia ainda se recusa a conceber a aceitabilidade crescente – incluindo todo o respaldo médico-nutricional – do vegetarianismo e, em jogadas irresponsáveis e cheias de tendenciosidade, insiste em mitos já derrubados em prol do consumo de alimentos originados da exploração animal.
Que o diga a revista Época. Na reportagem “A moda (sic) do vegetarianismo - e seus riscos (sic)”, datada do fim de novembro último, ataques camuflados ou sutilmente explícitos a essa alimentação não faltam. Uma análise crítica da nota, com conhecimento de causa, percebe muitas falhas grotescas que comprometem sua seriedade como artigo jornalístico.
Percebemos que:
- É descrito que Paul McCartney teria despertado furor quando defendeu o vegetarianismo contra o aquecimento global. Convém perguntar: furor de quem? Dos pecuaristas? Dos donos de churrascarias? Dos fãs incondicionais de fast-food? Dos açougueiros? Que razão levaria uma pessoa comum a sentir raiva do eterno Beatle só por ele ter dito que a pecuária onera o planeta e faz mal para os animais?
- O vegetarianismo é reduzido à não-carne, uma idéia cada vez mais considerada como obsoleta em tempos de reprovação crescente também da dieta centrada em ovos e laticínios;
- Numa reportagem que se supõe a falar de alimentação vegetariana, apenas a carne vermelha é enfatizada como produto a ser evitado – ou nem mesmo isso: é sugerida apenas a diminuição de seu consumo;
- Fala-se de dieta “parcialmente vegetariana”. Isso não existe. Vegetarianismo é, para dizer a concepção mínima, ausência de carne. Se há carne, nem que seja uma vez por mês, não há vegetarianismo. Não existe meia ausência ou ausência parcial;
- O veganismo, que seria mais adequado considerar um hábito de consumo ou em última análise um modo de vida, é descrito pejorativamente como uma “filosofia” que dita deliberadamente normas de proibição para “seguidores”, não contando que o vegano segue sua própria consciência de respeito aos animais em evitar viver sustentado na exploração destes. Na lógica do autor, defender o fim da escravidão humana também poderia ser reduzido ao atributo de mera corrente filosófica sem medo de estar incidindo em distorção;
- O colesterol é erroneamente ligado às proteínas animais – o jornalista atira no pé ao falar mal dos próprios nutrientes defendidos visceralmente em sua reportagem – em vez de às gorduras da mesma fonte;
- Insiste-se muito em mitos nutricionais já surrados pelos especialistas em alimentação vegetariana: a) a alimentação livre de produtos de origem animal é tratada como perigosa; b) a carne é sacralizada e sua ausência tratada como uma ameaça à saúde; c) a soja é brevemente descrita como nutricionalmente inferior; d) as proteínas animais são postas no pedestal do indispensável, sem nenhuma consideração à capacidade do organismo humano de sintetizar certas proteínas a partir dos aminoácidos ingeridos, os quais possuem todos alternativas vegetais; e) o vegetarianismo completo é taxado de radical, arriscado e contra-indicado para crianças e adolescentes;
- Outros vegetais que são importantes provedores de proteínas, como leguminosas, são totalmente desprezados;
- A opção de injeções semestrais de vitamina B12 sintética, uma opção muito conveniente numa época em que vacinas injetáveis periódicas são rotina indispensável para muitos, é igualmente ignorada. Convém dizer que tal aplicação é uma necessidade também para idosos, mesmo os mais churrasqueiros, que passam a absorver com menos eficiência a vitamina ao passo em que envelhecem;
- Ninguém do lado atacado foi ouvido para defender por que o vegetarianismo é organicamente aceitável. Já o onivorismo foi defendido abertamente pelo endocrinologista João César Castro Soares, que inclusive condenou a alimentação livre de crueldade para menores de idade, com justificativas bastante questionáveis;
- Além disso, a recomendação de se procurar uma segunda opinião médica ou fonte especializada, mais indispensável ainda quando se trata de um assunto da esfera medicinal ou qualquer outro que requeira pesquisa científica competente, foi irresponsavelmente esquecida. Toda a reportagem gira em torno da opinião altamente questionável e refutável de um único profissional, o qual já sabemos que é alguém nem um pouco recomendável a ser consultado por um vegetariano que quer saber como balancear bem sua alimentação;
- Uma reportagem que denunciasse os riscos de uma dieta vegetariana mal orientada deveria no mínimo dar uma sugestão de como montar uma base nutritiva eficiente, nem que fosse citar por cima “folhas verdes-escuras”, “legumes”, “cereais”, por exemplo. Seria uma aceitável crítica construtiva que alertaria os adeptos ou interessados no vegetarianismo para não se descuidarem no balanceamento da elaboração de seu prato. Isso também foi completamente desconsiderado no caso abordado, estando reduzido a sugestões muito vagas como “é preciso procurar conselho médico”;
- Ficou subentendido que apenas vegetarianos devem procurar assistência nutricional, enquanto onívoros e ovolactistas supostamente podem dispensá-la. O que é uma orientação bastante incorreta e até irresponsável, se considerarmos o crescimento das doenças e distúrbios orgânicos ligados a dietas onívoras mal-estruturadas.
Fica a sugestão ao senhor José Antonio Lima, autor de tal reportagem, de que, se não quiser mais pôr em risco sua reputação de jornalista e enfrentar a indignação de pessoas que, na busca de apoio, esclarecimento e aceitação, encontram sim muita desinformação e reacionarismo falacioso e irracional, relembre-se daqueles princípios que foram aprendidos na faculdade mas embaçados na sua memória com o passar do tempo. Imparcialidade, pesquisa competente e segunda opinião médica ainda são muito valorizadas por quem promove um jornalismo responsável e não quer correr o risco de estar propagando idéias falseadas. Ainda mais quando se trata de algo que, além de ser uma questão de saúde que deve ser levada muito a sério, propõe, entre outras providências, poupar a vida de tantos animais que tanto sofrem em confinamentos pecuários miseráveis.
Convido também todos a lerem a resposta do doutor George Guimarães.
Robson Fernando
Estudante e articulista amador, é dono do blog Consciência Efervescente ( http://
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