O Futuro dos Animais Não-Humanos em um Mundo Pós-Pandêmico: Reflexões sobre Ética, Direito e Dignidade
Em um mundo transformado pela pandemia, uma questão que ecoa com força é o tratamento e a consideração que damos aos animais não-humanos. Este não é um debate novo, mas a crise sanitária global trouxe à tona questões éticas e jurídicas que demandam uma reavaliação do status desses seres em nossa sociedade. O ensaio de Sueli Meira Liebig e Rafaela Liebig Ramalho Lucena, publicado na Revista Letras Rara, é um convite para pensarmos sobre um futuro em que os animais são vistos não apenas como recursos, mas como sujeitos de direitos. Vamos mergulhar nesta discussão com otimismo e uma pitada de reflexão crítica.
Um Novo Olhar Sobre a Dignidade Animal
O ponto de partida para entender a relevância deste debate é a senciência dos animais, ou seja, a capacidade que possuem de sentir dor, sofrer e experimentar emoções complexas. Esta característica já não é mais alvo de dúvidas científicas e, segundo Vicente Ataíde Júnior, ela deve fundamentar a dignidade atribuída aos animais. Essa dignidade não se reduz a uma extensão da dignidade humana, mas surge como um conceito autônomo que exige respeito e proteção. Se somos capazes de reconhecer que a dor de um cão ou gato é real, por que continuar tratando outras espécies como objetos?Este argumento ganha força em contextos jurídicos, onde a legislação brasileira apresenta avanços, mas ainda de forma inconsistente. A Constituição, em seu artigo 225, já proíbe práticas cruéis, mas a Emenda Constitucional nº 96, que viabiliza práticas como a vaquejada, expõe as tensões entre cultura e ética animalista.
Entre o Bem-estarismo e o Abolicionismo
No campo do direito animal, as visões de bem-estarismo e abolicionismo se confrontam. O bem-estarismo propõe medidas para minimizar o sofrimento dos animais sem eliminar sua utilização por humanos. Por exemplo, a PEC da vaquejada legitima a prática ao considerá-la uma manifestação cultural, contanto que sejam assegurados padrões de bem-estar.Por outro lado, o abolicionismo, defendido por pensadores como Tom Regan, busca a erradicação completa da exploração animal. A crítica central é que o bem-estarismo perpetua a lógica de que os animais podem ser usados, desde que com certo cuidado. Como bem coloca Sônia Felipe, abolição significa extirpar pela raiz a crença de que é moralmente aceitável explorar seres sencientes para nossos interesses.
Pandemias e a Relação com os Animais
A pandemia de COVID-19 e outras crises de saúde globais, como o surto de H1N1 e o Ebola, trouxeram um alerta sobre a exploração desmedida de animais. Como expõem Alonso e Paim , muitas dessas doenças têm origens ligadas à intensiva criação de animais e práticas de extração de proteínas diretamente da biodiversidade. É uma ironia trágica que aquilo que historicamente consideramos progresso – a domesticação e uso de animais – tenha se tornado um dos maiores riscos à nossa saúde coletiva.Este cenário convida a uma reflexão mais profunda: será que nossos hábitos e sistemas de produção animal, sob a ótica de uma nova ética, não deveriam ser reformulados? Não apenas por razões ambientais e de saúde, mas pela simples e poderosa razão de que não podemos mais ignorar o sofrimento de outras espécies.
Dignidade Animal: Um Reflexo da Nossa Humanidade
A relação entre dignidade humana e animal é um tema que provoca inquietação. Immanuel Kant, em sua definição de dignidade, excluía outras espécies por não possuírem racionalidade. No entanto, essa visão é contestada por abordagens modernas que valorizam a capacidade de sentir, independentemente de atributos como linguagem ou cultura.O exemplo do “arremesso de anões” na França ilustra a complexidade de definir a dignidade. O evento foi proibido por atentar contra a dignidade humana, mesmo sem ferir fisicamente os participantes. Essa decisão ressalta que dignidade vai além da ausência de sofrimento; ela se relaciona com o respeito intrínseco a um ser. Se a instrumentalização de um humano para fins de entretenimento é vista como eticamente inaceitável, por que a de um animal deveria ser diferente?
O Caminho para o Futuro: Reconhecendo a Subjetividade dos Animais
O reconhecimento de que os animais não-humanos têm uma subjetividade própria e direitos inalienáveis é um avanço necessário. Isso requer não apenas uma mudança legal, mas uma transformação cultural e ética. Projetos de lei como o PL nº 27/2018, que propõe atribuir personalidade jurídica a animais, enfrentam resistências, mas indicam uma direção promissora. A sociedade precisa estar disposta a reavaliar tradições e práticas que perpetuam a exploração.No pós-pandemia, o desafio é alinhar os interesses de preservação ambiental e ética global com os direitos dos animais. A pandemia serviu como um alerta de que nosso relacionamento com outras espécies não é apenas uma questão de escolha, mas de sobrevivência mútua. Respeitar os direitos dos animais não é um capricho ideológico; é um reflexo do que desejamos ser como civilização.
Um Olhar para um Amanhã Sustentável
O futuro que se desenha pede coragem e compaixão. Se antes a exploração animal era vista como um mal necessário para o desenvolvimento humano, hoje esse argumento não se sustenta diante dos avanços em ética, ciência e direito. O reconhecimento dos animais como sujeitos de direito é o próximo passo para uma coexistência mais justa. É hora de construir um mundo em que a dignidade não seja privilégio de uma única espécie, mas um direito universal que abranja todas as formas de vida senciente.Que o devir dos animais em um mundo pós-pandêmico seja marcado por respeito, empatia e um compromisso renovado com a vida.
Por: Alex Fernandes
Fonte: O devir dos animais não-humanos em um mundo pós-pandêmico
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