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Veganismo - Perguntas mais freqüentes 2

duvida2.jpg © Gary L. Francione

Texto do Blog de Gary L. Francione
Tradução: Cláudio Godoy
 

4. Pergunta: O uso que os seres humanos fazem dos outros animais não é uma “tradição” ou algo “natural”, e logo moralmente justificável?

Resposta: Não. Toda forma de discriminação ao longo da história da humanidade tem sido defendida como “tradicional”. A discriminação das mulheres é rotineiramente justificada com base na premissa de que a subserviência das mulheres em relação aos homens faz parte da tradição: “lugar de mulher é na cozinha”. A escravidão humana fez parte da tradição da maioria das culturas em determinadas épocas. O fato de um comportamento ser considerado tradicional não tem relação nenhuma com o fato deste comportamento ser ou não moralmente aceitável.

Além de apelar para a tradição, alguns classificam como “natural” o uso que fazemos dos outros animais e com base nisso afirmam que este uso seria moralmente aceitável. Mais uma vez, a classificação de algum comportamento como natural não nos diz absolutamente nada sobre a sua moralidade. Em primeiro lugar, todas as formas de discriminação que já foram ou que são praticadas sempre foram classificadas como naturais e como tradicionais. Muitas vezes, estes dois conceitos são usados como sinônimos. Costumávamos justificar a escravidão humana como um exemplo da hierarquia natural que existia entre os escravos e os seus senhores. Costumamos justificar a descriminação das mulheres como um exemplo da superioridade natural dos homens sobre as mulheres.

Além disso, é um pouco bizarro classificar a nossa moderna mercantilização dos outros animais como natural em qualquer sentido que a palavra natural possa ter. Criamos ambientes e desenvolvemos práticas pecuárias completamente artificiais para maximizar nossos lucros. Fazemos experiências bizarras que envolvem o transplante de genes e de órgãos de animais não humanos para seres humanos e vice versa. Hoje em dia clonamos animais não humanos. Nada disso poderia ser classificado como natural. Rótulos como “natural” e “tradicional” não passam de meros rótulos, e não são baseados na razão. Se as pessoas defendem a imposição da dor, do sofrimento e da morte de animais não humanos com base naquilo que consideram natural ou tradicional, geralmente isso significa que elas não têm como justificar esta conduta.

Uma variação desta pergunta diz respeito exclusivamente a tradições específicas de determinados grupos. Por exemplo, em maio de 1999, a tribo Makah do estado de Washington matou sua primeira baleia cinzenta em mais de setenta anos. A morte da baleia, que só foi possível com a ajuda de arpões de aço, armas antitanque, munição blindada de alto poder de penetração, embarcações de caça motorizadas e um considerável subsídio do governo federal, foi defendida com base na tradição baleeira dos Makah. No entanto, o mesmo argumento poderia ser (e é) usado em defesa da mutilação vaginal que ocorre na África e da prática da imolação de noivas por meio da cremação que ocorre na Índia.

O importante não é saber se uma determinada conduta faz parte de uma cultura; afinal, toda conduta é parte de uma determinada conduta. O importante é saber se uma determinada conduta pode ou não ser moralmente justificada.


5. Pergunta: Se os animais não humanos se alimentam uns dos outros na natureza, não temos o direito de nos alimentarmos deles?

Resposta: Não. Em primeiro lugar, embora alguns animais se alimentem de outros na natureza, muitos não o fazem. Muitos animais são veganos. Além disso, existe um grau de cooperação entre os animais na natureza muito maior do que o nosso conceito imaginário de “lei da selva” nos leva a acreditar.

Em segundo lugar, o fato de alguns animais comerem os outros não vem ao caso. Por que é que isso seria relevante? Alguns animais são carnívoros e não sobreviveriam sem comer carne. Nós não nos encaixamos nesta categoria, pois podemos perfeitamente viver muito bem sem carne e um número cada vez maior de pessoas concorda que uma dieta sem produtos animais beneficiaria tanto a nossa saúde quanto o meio-ambiente.

Em terceiro lugar, os animais não humanos costumam fazer todo o tipo de coisa que os seres humanos não consideram moralmente apropriadas. Por exemplo, os cães copulam e defecam ao ar livre. Isso significa que deveríamos seguir o seu exemplo?

Finalmente, é interessante observar que quando nos convém, procuramos justificar a nossa exploração dos animais não humanos apelando para a nossa suposta “superioridade”. E quando nossa suposta “superioridade” nos impede de fazer o que desejamos, repentinamente passamos a nos considerar como mais uma dentre as demais espécies de animais selvagens, podendo comer os outros animais do mesmo modo que as raposas fazem com as galinhas.

 




6. Pergunta: Hitler era vegetariano; o que esse fato diz sobre os vegetarianos em geral?


Resposta: Não nos diz nada mais do que algumas pessoas más também podem se abster de comer carne.

A própria pergunta se baseia em uma forma de argumento inválido:

1. Hitler se abstinha de comer carne.
2. Hitler era uma pessoa má.
3. Logo, as pessoas que se abstêm de comer carne são más.


Stalin comia carne e não era dos tipos mais bondosos. Ele foi responsável pela morte de milhões de pessoas inocentes. O que isso tem a dizer sobre aqueles que consomem carne? Do mesmo modo que não podemos concluir que todos aqueles que consomem carne têm alguma coisa em comum com Stalin com exceção do consumo de carne, não podemos concluir que todos aqueles que se abstêm do consumo de carne tenham alguma coisa em comum com Hitler com exceção da abstenção do consumo de carne.

Além disso, não se pode afirmar com certeza que Hitler era realmente vegetariano e alguns autores afirmam enfaticamente que ele não era . Em todo caso, o interesse dos nazistas pela redução do consumo de carne não tinha relação com a questão do status moral dos animais não humanos, mas refletia uma preocupação com uma abordagem orgânica da saúde e das curas das doenças e com a abstenção do uso de ingredientes artificiais em produtos alimentares e farmacêuticos que estavam ligadas aos objetivos mais amplos do nazismo relacionados à “higiene racial”.

Além disso, o que importa se Hitler realmente fosse vegetariano? Ele não era vegano. Não existe nenhuma diferença de ordem lógica ou moral entre o consumo de carne e o de ovos e leite. Logo, mesmo se Hitler não comesse carne, ele ainda estaria participando diretamente de um tipo de exploração de animais não humanos que em essência seria tão reprovável quanto o consumo de carne do ponto de vista moral.

Uma outra versão deste argumento é a seguinte: já que os nazistas também eram a favor dos direitos dos animais, isso significaria necessariamente que a teoria moral por trás dos direitos dos animais não teria valor algum e seria uma tentativa de desvalorizar os seres humanos? Mais uma vez, esta pergunta é um disparate. Em primeiro lugar, ela se baseia em um erro factual. Os nazistas não eram a favor dos direitos dos animais. Algumas leis de bem-estar animal restringiram um pouco a vivissecção na Alemanha, mas dificilmente refletiam qualquer preferência da sociedade pela abolição do status de propriedade dos animais não humanos. Afinal, os nazistas foram responsáveis pelo assassinato de milhões de seres humanos e de outros animais ao longo da Segunda Guerra Mundial, um comportamento incompatível com qualquer teoria de direitos, sejam eles aplicáveis a humanos ou a não humanos. Dizer que os nazistas eram a favor dos direitos dos animais é tão impreciso quanto dizer que os norte-americanos são a favor dos direitos dos animais devido ao fato de possuirmos uma lei federal de bem-estar animal.


Mas suponhamos que, diferentemente do que de fato ocorreu, os nazistas realmente tivessem defendido a abolição de toda a exploração animal? O que isso teria a dizer sobre a idéia dos direitos dos animais? A resposta é absolutamente clara: isso não diria nada sobre a moralidade dos direitos dos animais. Esta pergunta só teria sentido se dissesse respeito à validade dos argumentos morais favoráveis aos direitos dos animais.


Os nazistas também favoreciam vigorosamente o casamento. Isso significa que o casamento é uma instituição intrinsecamente imoral? Os nazistas também acreditavam que a prática de esportes era essencial à formação de um caráter vigoroso. Isso significa que os esportes competitivos são intrinsecamente imorais? O evangelho pregado por Jesus se baseava na divisão eqüitativa de bens. Gandhi promoveu uma mensagem parecida, e Stalin também. Mas Stalin também conferia pouco valor aos seres humanos. Podemos concluir que a idéia de uma divisão eqüitativa de bens possui algo de intrinsecamente imoral e conseqüentemente mancharia as reputações de Jesus e de Gandhi? É evidente que não. Ao atribuirmos um significado moral para os interesses dos animais não humanos não estaremos necessariamente atribuindo um valor menor à vida humana, do mesmo modo que ao atribuirmos valor aos seres humanos profundamente retardados e proibirmos o seu uso em experiências não estaremos necessariamente atribuindo um valor menor à vida dos seres humanos “normais”.


Fonte: Gary L. Francione, Introduction to Animal Rights: Your Child or the Dog? (Introdução aos Direitos dos Animais: Seu Filho ou o Cachorro?),

(Philadelphia: Temple University Press, 2000).

Gary L. Francione
©
2007 Gary L. Francione

 

Veja também:
- Perguntas mais freqüentes 1  

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