Justiça julga procedente ação contra vivissecção em Porto Alegre, de autoria de Róber Bachinski
Juiz reconhece direito à objeção de consciência e obriga Universidade Federal do Rio Grande do Sul a providenciar métodos substitutivos. Veja sentença abaixo:
AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2007.71.00.019882-0/RS
AUTOR
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:
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RÓBER FREITAS BACHINSKI
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ADVOGADO
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:
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RICARDO ATHANASIO FELINTO DE OLIVEIRA
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RENATA DE MATTOS FORTES
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RÉU
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:
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL -
UFRGS
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SENTENÇA
SENTENÇA 0066/2007
Vistos etc.
1. RELATÓRIO:
OBJETO DA AÇÃO. Trata-se de ação
ordinária ajuizada por RÓBER FREITAS BACHINSKI contra UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS, em que se discute sobre objeção de
consciência do autor à sua participação em aulas práticas com uso de
animais nas disciplinas de Bioquímica II e Fisiologia Animal B do curso
superior de Ciências Biológicas, bem como sobre requisitos prévios ao
sacrifício de animais e à vivissecção em aulas práticas desse curso.
PETIÇÃO INICIAL. Diz a parte autora
que é aluno do curso de biologia da UFRGS, tendo ingressado em 24/08/06
com pedido de objeção de consciência para não participar de aulas práticas
que utilizassem sacrifício de animais para finalidade didática. Diz que
seu pedido foi adequadamente fundamentado, mas foi negado pela UFRGS. Diz
que o indeferimento do seu requerimento pela UFRGS viola seu direito à
liberdade de consciência previsto constitucionalmente (art. 5º-IV da
CF/88) e constitui atitude discriminatória (art.5º-VII da CF/88). Diz que
não existe legislação que obrigue o estudante a praticar a dissecação ou
vivissecção em animais, existindo recursos alternativos que podem ser
utilizados em substituição aos animais com os mesmos efeitos didáticos.
Diz que também há ofensa ao art. 225 da CF/88 e ao art. 32 da Lei
9.605/98. Diz que tem direito à objeção de consciência e que isso deveria
ser observado pela UFRGS. Diz que a autonomia didático-científica das
universidades não permite que a liberdade de consciência do autor seja
violada, e que a legislação que trata dos crimes ambientais prevê punição
para maus tratos a animais. Traz documentos (correspondências eletrônicas)
que comprovam a conduta da UFRGS e de alguns de seus professores,
evidenciando a violação ao direito do autor. Diz que há direito à
integridade física e mental dos animais,bem como que existe um limite
normal e ético que deve ser observado quanto ao sacrifício de animais para
finalidades didáticas, que no caso não foi atendido. Diz que existem
recursos e métodos alternativos que poderiam ser utilizados. Diz que são
causados danos morais ao autor pela negativa da ré respeitar seu direito
de objeção de consciência "em verdadeira prática de coação moral". Diz que
um dos professores da UFFRGS chegou a sugerir que o autor, se não fosse
capaz de participar das aulas, desistisse da matrícula: "se tu não te
sentes capaz de fazer essas aulas, acho que deves desistir da
matrícula" (fls. 32). Pediu antecipação de tutela (fls. 43-45). No
mérito, pediu a procedência da ação para: "(g) ... declarar nula a
decisão que nega a objeção de consciência requerida pelo autor nos autos
do processo administrativo nº 23078.020775/06-35; (h) ... declarar o
direito constitucional do autor a exercer a objeção de consciência
relativamente a todas as disciplinas que possuem aulas práticas com o uso
de animais, sendo determinado à ré que disponibilize trabalhos
alternativos para o autor em substituição às aulas práticas com uso de
animais, sem distinção de grau para avaliação do autor, sendo que tais
trabalhos deverão ter o reconhecimento da Universidade como sendo
suficientes para garantir o aprendizado do autor nas disciplinas,
apresentando integral validade para fins de aprovação final em cada
disciplina e conclusão do curso de bacharelado em Ciências Biológicas pelo
autor; (i) que seja condenada a ré a indenizar os danos morais que
provocou no autor em valor a ser arbitrado por este eminente Juízo; ...
(k) que seja proibido o uso de animais para aulas práticas no Curso de
Ciências Biológicas da ré, ou, alternativamente, (k.1) que seja concedido
o prazo de seis meses para que a ré proceda à substituição do uso de
animais por recursos alternativos em todas as disciplinas do curso de
Ciências Biológicas, ou em outro prazo que este eminente juízo entenda
necessário, sob pena de multa no valor a ser arbitrado por este eminente
juízo. Caso não seja possível a substituição do sacrifício de animais e a
prática de vivissecção por médotos alternativos, apresente a ré a devida
justificação, com aprovação do Conselho de Bioética da ré, nesse mesmo
prazo" (fls. 45-46). Com a inicial, foram juntados documentos.
ANDAMENTO. O autor requereu a
distribuição do processo à Vara Ambiental (fls. 127-128), o que foi
deferido (fls. 129). Foi reconhecida a competência da Vara Ambiental,
deferida assistência judiciária gratuita para o autor e parcialmente
deferida a liminar (fls. 130-139). Foi interposto agravo de instrumento
pela UFRGS (fls. 145-161). O TRF4ªR deferiu efeito suspensivo ao agravo de
instrumento para suspender a decisão agravada (fls. 162-164) e
posteriormente deu provimento ao agravo (fls. 228).
CONTESTAÇÃO. Regularmente citada (fls.
142), a parte ré contestou (fls. 177-198). No mérito, diz que a ação deve
ser julgada improcedente porque nenhum direito do autor foi violado. Diz
que um número incalculável de animais é sacrificado diariamente para
satisfazer as necessidade da alimentação. Diz que existe legislação
específica que autoriza os estabelecimentos de terceiro grau a realizar
atividades didáticas com animais, desde que não causem sofrimento aos
mesmos. Diz que a Lei 6.638/79 foi a primeira a estabelecer normas para a
prática didático-científica da vivissecção de animais, não sendo ilegal
sua utilização como meio didático-científico. Diz queas práticas de
pesquisa e ensino são reguladas pela Lei 9.394/96 (arts. 3º-II, 43-III e
53-I a VI). Diz que a pretensão do autor encontra óbice de caráter
institucional porque "será impossível para a Universidade Pública e
para o ensino se tiver que discutir, com cada um de seus alunos, qual tipo
de formação por eles pretendida e consultar-lhes quando ingressam no Curso
quais as disciplinas que não irão depor contra as suas consciências"
(fls. 181). Diz que a Universidade já tentou a substituição de aulas
práticas por programas de multimídia, mas isso não atendeu aos interesses
da universidade e dos próprios alunos que solicitaram a utilização de
seres vivos ou materiais preservados para estudo direto dos mesmos. Diz
que os animais são necessários para as práticas de ensino e para as aulas
práticas, sendo que eventual sacrifício é realizado segundo as regras
legais e observando a ética de provocar o menor sofrimento possível. Diz
que os alunos não participam dos sacrifícios, recebendo o material
biológico já processado para o desenvolvimento dos experimentos propostos.
Diz que "o profissional da biologia dificilmente exercerá sua profissão
sem eventualmente ter que lidar com a experimentação usando seres
vivos" (fls. 183). Diz que "o ingresso na universidade é uma
escolha pessoal, entretanto, o candidato deve proceder a escolha com
certeza para evitar situações constrangedoras como a apresentada pelo
Autor. Ao que parece, o autor dispensa aos animais cuidados afetivos, mas
seu temperamento impede-o de atuar a nível científico. O aluno que se
matricula no Curso escolhido e que trabalha com seres vivos, animais ou
humanos, aceita seguir o currículo do curso e a cumprir os requisitos
necessários para a conclusão do curso e a sua formação profissional
qualificada. Mantendo-se a lógica do Autor, a Universidade terá que
dispensar tratamento diferenciado a todos aqueles acadêmicos que possuírem
objeção de consciência em cursos, onde estão matriculados, e que se sentem
incomodados com o desenvolvimento de disciplinas contrárias aos seus
interesses" (fls. 184). Diz que o TRF4ªR já se manifestou
contrariamente à posição do autor (agravo de instrumento nº
2007.04.00.020715-4) e que diversos estudantes se manifestaram também
contrários à posição do autor. Diz que os "estapafúrdios pedidos"
requeridos pelo autor sobrepõem-se aos direitos constitucionais dos demais
alunos (fls. 191) e que "a própria idade do aluno descaracteriza a sua
legitimidade para propor esse tipo de pedido" (fls. 191). Diz que o
direito do autor à objeção de consciência não se pode sobrepor ao
pensamento da maioria, sendo que "a utilização da objeção de
consciência proposta pelo agravado chega às raias do absurdo ao requerer,
na ação, que seja proibido o uso de animais para aulas práticas no Curso
de Ciências Biológicas" (fls. 193). Diz que se houve algum dano moral,
tal situação não pode ser imputada à UFRGS. Diz que os danos morais não
estão provados, cabendo ao autor o ônus de fazê-lo. Juntou documentos
(fls. 199-226).
ANDAMENTO. Oportunizou-se à parte
autora manifestar-se sobre os termos da contestação, apresentando réplica
(fls. 241-253), requerendo provas (fls. 235-236) e juntando documento
(fls. 238-239). O Ministério Público Federal apresentou promoção para que
as partes se manifestassem sobre as provas que pretendiam produzir (fls.
258). A UFRGS informou que não tinha mais provas a produzir (fls. 263).
Foi indeferida a prova requerida pelo autor quanto à juntada de listagem
de atividades (fls. 264). Intimado, o autor não requereu outras provas
(fls. 266-v).
ALEGAÇÕES FINAIS DAS PARTES. Foi
encerrada a instrução e foi concedido prazo para alegações finais (fls.
267). O autor apresentou memoriais escritos (fls. 272-283), ratificando
seus argumentos e pedindo a procedência da ação. A UFRGS também apresentou
seus memoriais escritos (fls. 287-291), ratificando seus argumentos e
pedindo a improcedência da ação.
PARECER FINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. Por fim, o Ministério Público Federal apresentou seu parecer
final (fls. 293-323), destacando-se as seguintes considerações: que "um
estudante do curso de Ciências Biológicas, como é o caso do autor, não tem
apenas o direito constitucional de ver respeitada a sua objeção de
consciência, levantada em defesa do meio ambiente/fauna contra prática de
experimentos didático-científicos pelo uso de animais, mas até mesmo o
dever de fazer valer as exigências constitucionais e legais de defesa do
meio ambiente, quando a Instituição de Ensino Superior assim não o
fizer" (fls. 300); que "o entendimento do Ministério Público
Federal é no sentido de que a Universidade tem o dever de aceitar o pedido
de objeção de consciência formulado pelo autor de oferecer a todos os seus
alunos formas alternativas de trabalhos à vivissecção, ainda mais quando
se trata de um Curso de Biologia, em que a principal preocupação é a
vida" (fls. 304); que "não se está a discutir sobre a possibilidade
ou não de uso de animais para elaboração de teses médicas, que possam
salvar vidas, como argumentado em sede de contestação pela UFRGS, mas se
está discutindo a objeção de consciência de um aluno ante a utilização de
método didático pela Faculdade de Ciências Biológicas envolvendo animais,
método esse que não vinha sendo utilizado pela Universidade até então"
(fls. 312); que "a autonomia didático-científica das universidades, e,
portanto, o direito à educação não são absolutos, encontrando limites, na
situação em comento, na liberdade de pensamento e no direito de todos ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado" (fls. 313); que "a
Universidade, titular do direito de ensino superior, e com poder de
exercê-lo com autonomia didático-científica, excedeu os limites de seu
direito, e o que determina a Constituição Federal a respeito da liberdade
e dignidade da pessoa (do aluno/autor na situação em comento), não por ter
negado o pedido de objeção de consciência do autor, mas pela forma como o
fez, subjetivando a matéria em debate, minimizando o pedido do aluno e
questionando sua competência e aptidão para cursar a Faculdade de Ciências
Biológicas e formar-se biólogo" (fls. 316). Ao final, opinou o
Ministério Público Federal pela parcial procedência da ação.
CONCLUSÃO. Não havendo mais provas a
serem produzidas, vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório. Decido.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:
QUANTO AO MÉRITO. Sobre o objeto da
ação, trata-se de ação ordinária em que se discute sobre objeção de
consciência do autor à sua participação em aulas práticas com uso de
animais nas disciplinas de Bioquímica II e Fisiologia Animal B do curso
superior de Ciências Biológicas, bem como sobre requisitos prévios ao
sacrifício de animais e à vivissecção em aulas práticas desse curso.
Também é formulado pedido de indenização por danos morais que o autor,
enquanto estudante, teria sofrido por conta da conduta administrativa da
UFRGS.
Sobre a complexidade da ação e o conflito
de interesses envolvidos, não há dúvida que é complexo o objeto da
presente ação, envolvendo um conflito entre interesses relevantes. De um
lado, está o aluno, enquanto autor, que apresenta objeção de consciência à
participação em determinadas atividades didáticas que envolvam práticas
com sacrifício de animais vivos em duas disciplinas específicas do curso
superior que freqüenta, alegando que existem alternativas àquelas práticas
que deveriam lhe ser permitidas. De outro lado, está a Universidade,
enquanto ré, que negou a objeção de consciência e entendeu que o aluno
deve se submeter integralmente ao programa das disciplinas, inclusive
realizando as aulas práticas propostas pelos professores sob pena de
reprovação. É o conflito entre esses dois interesses que esse Juízo deverá
resolver, buscando a solução que melhor atenda a legislação vigente e a
Constituição Federal. É certo que a questão é extremamente complexa e
controvertida, não cabendo a esse Juízo esgotar as implicações éticas ou
legais de experiências com animais ou com a possibilidade de utilização de
cobaias vivas em experimentos. A esse Juízo cabe tão-somente julgar a lide
entre as partes, resolvendo-a da melhor maneira possível. É jurisdição que
o autor buscou, é jurisdição que o autor terá. Ou seja, esse Juízo fica
limitado aos termos da lide, conforme previsto na lei processual vigente:
"nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o
interessado a requerer, nos casos e forma legais" (art. 2º do
CPC).
Sobre a objeção de consciência discutida
nessa ação, a leitura da petição inicial do autor e da contestação do
réu, bem como dos demais documentos juntados ao longo do processo, permite
que esse Juízo identifique os valores constitucionais que estão em jogo.
Não há dúvida que o professor tem liberdade de atuação em sala de aula
(art. 206-II da CF/88) e que as universidades gozam de autonomia
didático-científica para definir as atividades de ensino e pesquisa (art.
207 da CF/88). Mas essa autonomia universitária encontra limite nos
direitos dos alunos à liberdade de consciência (art. 5º-VI da CF/88) e
convicção filosófica (art. 5º-VIII da CF/88), à vedação de tratamento
discriminatório (art. 3º-IV da CF/88), ao pluralismo político (art. 1º-V
da CF/88) e, principalmente, ao pluralismo de idéias e concepções
pedagógicas no ensino (art. 206-III da CF/88). No momento em que o aluno
apresenta objeção de consciência contra determinada prática, cabe examinar
se a mesma está protegida pelo ordenamento jurídico e merece acolhimento
pelo Poder Público.
Ora, o autor apresentou essa objeção de
consciência frente à Universidade que freqüenta, solicitando dispensa de
atividades didáticas com animais em duas disciplinas, o que foi recusado
pela Universidade. A conduta do aluno é elogiável porque busca discutir
clara e abertamente uma questão que, embora complexa e polêmica, é muito
relevante num curso que propõe trabalhar com seres vivos e compreender
seus mecanismos de funcionamento, entre outras questões.
A questão foi debatida pelas partes no curso
desse processo, inclusive com lúcido parecer do Ministério Público Federal
(fls. 293-323), continuando esse Juízo a acreditar naqueles fundamentos
que havia explicitado na decisão que deferiu antecipação de tutela em
favor do autor (fls. 130-139). Ainda que a ação tenha sido contestada
(fls. 177-198) e ainda que o TRF4ªR tenha cassado a decisão liminar (fls.
162-164 e 228), esse Juízo continua convencido de que a objeção de
consciência apresentada pelo autor é relevante porque:
(1) é um direito do aluno manter-se
fiel às suas crenças e convicções, não praticando condutas que violentem
sua consciência nem se vendo privado de suas possibilidades discentes por
conta disso (art. 5º-VI e VIII da CF/88);
(2) não parece que o aluno esteja
tentando furtar-se à "obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei" (art. 5º-VIII da CF/88),
uma vez que o aluno busca justamente ver assegurado seu direito à
prestação alternativa não-discriminatória;
(3) o aluno não poderia ser
discriminado (art. 3º-IV da CF/88) por conduzir-se de acordo com os
ditames de suas crenças e de sua consciência, o que acaba ocorrendo quando
é reprovado ou tem sua nota diminuída numa disciplina porque se recusou a
participar de uma determinada prática que violentaria suas convicções,
como é o caso de aulas práticas com a utilização de animais mortos
especialmente para isso;
(4) o professor e a instituição de
ensino não podem impor aos alunos uma única visão didático-pedagógica, sem
respeitar as alternativas disponíveis e viáveis, uma vez que isso afronta
os valores constitucionais do pluralismo político (art. 1º-V da CF/88), a
liberdade do aluno (art. 5º-VI e VIII da CF/88) e a diretriz
constitucional de que o ensino deve respeitar o pluralismo de idéias e
concepções pedagógicas (art. 206-III da CF/88);
(5) a objeção de consciência
devidamente formalizada pelo aluno não decorre de mero capricho nem é
arbitrária, encontrando amparo em diversas posturas sociais e movimentos
de defesa de direitos em que indivíduos ou grupos defendem que os animais
mereçam respeito enquanto animais e que têm direitos que devem ser
protegidos contra a atuação humana desnecessária, inclusive havendo menção
na petição inicial a diversos grupos e sites onde são disponibilizados
recursos e métodos alternativos às aulas práticas com animais mortos, e
também no parecer final do Ministério Público existindo a indicação de
métodos e técnicas alternativas disponíveis;
(6) a objeção de consciência do aluno
também encontra amparo constitucional no art. 225-VI e VII da CF/88, que
impõe ao Poder Público a promoção da educação ambiental em todos os níveis
de ensino (defendendo o autor que faz parte do ensino da biologia o valor
"vida") e que veda práticas que submetam os animais a crueldade (como
seria o caso do sacrifício desnecessário para as práticas didáticas
adotadas nas duas disciplinas questionadas), destacando-se aqui que a
crueldade não está na utilização em si dos animais em atividades
didáticas, mas na sua utilização desnecessária nessas práticas
quando o aluno se opõe a elas e pretende métodos alternativos de ensino,
cabendo aqui referir a lúcida doutrina de ERIKA BECHARA no sentido de que
"crueldade, para a Constituição, não é todo e qualquer ato atentatório
da integridade físico-psíquica do animal, eis que atos atentatórios de sua
integridade físico-psíquica haverão em perfeita consonância com a Lei
Maior, quando e desde que eles se façam imprescindíveis para a obtenção e
manutenção de direitos fundamentais da pessoa humana", sendo que
"tendo em vista que o ato 'materialmente' cruel que se ponha
(realmente) indispensável para a saúde, bem-estar, dignidade de vida - só
para citar alguns dos principais direitos humanos - será tolerado pelo
ordenamento jurídico, podemos dizer que a 'crueldade' a que se refere o
art. 225, § 1º, inciso VII do Texto Maior há de ser entendida como a
submissão do animal a um mal ALÉM DO ABSOLUTAMENTE NECESSÁRIO. Contrario
sensu, submeter o animal a um mal nos estreitos limites do 'necessário',
não implicará infração ao suso citado dispositivo constitucional"
(BECHARA, Érika. A proteção da fauna sob a ótica constitucional.
São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, pp. 82-83);
(7) aquela objeção de consciência do
aluno também é fruto de uma especial percepção do princípio da dignidade
da pessoa humana (art. 1º-III da CF/88), partilhada pelo aluno com
diversos outros grupos de pessoas da sociedade, que defendem que os
animais não devem ser sacrificados de forma desnecessária, devendo-se
sempre buscar os meios menos gravosos quanto a essas práticas de ensino e
consumo, confirmando assim a percepção inicial desse Juízo de que a
postura do autor não provém de arbítrio ou capricho, mas de sua própria
consciência e de uma postura profundamente comprometida com a preservação
de todas as formas de vida, não apenas da vida humana;
(8) a questão posta na objeção de
consciência é tão relevante que o próprio legislador penal a considerou na
edição da Lei Ambiental, instituindo uma figura típica específica no art.
32-§ 1º da Lei 9.605/98 ("incorre nas mesmas penas quem realiza
experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins
didáticos ou científicos, quando existirem recursos
alternativos");
(9) a correspondência eletrônica que o
autor trouxe às fls. 68, encaminhada pelo Diretor do ICBS da UFRGS para o
aluno, menciona que não havia solicitado a compra de rã para as
experiências da disciplina de Fisiologia Animal II porque havia solicitado
(e insistido) para que o Departamento solicitante encaminhasse os planos
de ensino das aulas e a justificativas para a compra dos animais e não
obteve resposta, não tendo condições de que isso fosse sujeito à aprovação
pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da UFRGS. Não há dúvida que
parece correta a postura do remetente daquela correspondência eletrônica,
não levando adiante a solicitação de aquisição de animais para aulas
práticas se o professor-solicitante não encaminha os planos de ensino e
justificativa adequada para fazê-lo, mas isso talvez indique que realmente
alguns professores da UFRGS não sejam criteriosos como seria de se esperar
quando submetem os alunos a aulas práticas com animais, reforçando assim
os motivos declinados pelo autor em sua objeção de consciência;
(10) além disso, as correspondências
eletrônicas de fls. 123-124 trocadas entre o autor e o professor da
disciplina de Bioquímica II dão conta de que "as aulas práticas fazem
parte do conteúdo da disciplina, são obrigatórias", recomendando ainda
que "se tu não te sentes capaz de fazer tais aulas, acho que deves
desistir da matrícula" (fls. 124). Isso é repetido na solicitação de
parecer jurídico pelo Coordenador da COMGRAD/BIO: "o ingresso no curso
de Ciências Biológicas é uma escolha pessoal, mas ao optar por sua
realização, os alunos devem saber que o curso é pensado segundo uma lógica
que vem desde a sua criação e que tem como objetivo formar um profissional
competente e capaz de discutir e gerar conhecimento teórico, mas validado
pela prática experimental. Esta comissão entende que o aluno, ao
matricular-se no curso de Ciências Biológicas, aceita seguir o currículo
do curso e cumprir todos os requisitos necessários para a colação de
grau" (fls. 58). O contraditório e a instrução probatória não
trouxeram nada de relevante que alterasse essas afirmações, concluindo
agora esse Juízo que a solução apresentada pelo professor ao aluno (e
aparentemente ratificada pelo Coordenador) não é condizente com os
direitos do aluno à liberdade de consciência e convicção (art. 5º-VI e
VIII da CF/88), à vedação de tratamento discriminatório (art. 3º-IV da
CF/88) e ao pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas que deve
nortear o ensino (art. 206-III da CF/88). Isso porque a opção que o
professor deixa ao aluno é discriminatória: abandonar o curso, cancelar a
matrícula. Ora, parecendo relevante a objeção de consciência que suscitou
o aluno, caberia ao professor e à instituição de ensino pública oferecerem
uma alternativa didática ao aluno que não violasse suas convicções e
garantisse a aprendizagem. Mas não é isso que é feito, optando o professor
por aconselhar o aluno abandonar o curso. Ou seja, o aluno é discriminado
por suas convicções e por se comportar de acordo com aquilo que
razoavelmente acredita ser correto;
(11) a UFRGS posição da UFRGS,
consubstanciada em documentos administrativos trazidos pelo autor
(manifestação do professor da disciplina de bioquímica de fls. 55-56;
solicitação de parecer jurídico pela coordenação da COMGRAD/BIO de fls.
58-59; e parecer da Procuradoria da UFRGS de fls. 60-64), foi ratificada
na contestação (e documento de fls. 200-209), restando esse Juízo
convencido de que para a UFRGS não haveria opção para o aluno senão
desistir do curso ("a única maneira de não se submeter licitamente à
obrigação legal é renunciando à condição de aluno, o que é perfeitamente
possível" - fls. 64), o que não é razoável nem ético nem jurídico
exigir-se do aluno, especialmente considerando o que foi provado no curso
do processo e é examinado nessa sentença;
(12) os argumentos ditos
"sensacionalistas" trazidos pela UFRGS na sua contestação não impressionam
esse Juízo pelos motivos que foram apontados pelo autor em sua réplica,
onde está dito que "... o debate proposto pelo autor não extrapola essa
realidade, ou seja, se rãs são consumidas em restaurantes de luxo, se o
mosquito da dengue causa epidemias ou mesmo se a pretensão do autor poderá
desestruturar o avanço científico no Brasil, tais argumentos não guardam
relação com o objeto da ação, não passando de questões sensacionalistas
para imprimir um desequilíbrio entre a pretensão do autor e a realidade
dos fatos" (fls. 242-243), sendo que interessa a esse Juízo a situação
específica do autor e a resposta que a UFRGS deu à sua pretensão de
objeção de consciência, que não compromete nem envolve outros temas
pertinentes à utilização que os homens façam dos animais;
(13) o mesmo se diga do argumento da
UFRGS no sentido de que a pretensão do autor ou a decisão desse Juízo
colocavam em risco a autonomia didático-científica das Universidades ou
inviabilizariam o funcionamento das instituições públicas de ensino,
reportando-me aqui ao que foi bem-exposto pelo lúcido parecer do
Ministério Público Federal: "a autonomia didático-científica a que se
refere o texto constitucional, contudo, não implica que as Universidades
imponham ao corpo discente uma determinada metodologia de trabalho, quando
vias alternativas possam ser utilizadas para alcançar o mesmo resultado
prático que é, em suma, o aprendizado. Não se quer dizer com isso, é
claro, que a partir de agora cada aluno poderá escolher o sistema que
melhor lhe aprouver para a aferição de seus conhecimentos, mas apenas
que, havendo formas adequadas e menos agressivas à natureza do que aquelas
disponibilizadas pela instituição de ensino, elas devem ser
utilizadas. Devem também ser repensadas, analisadas e discutidas, em
especial em se tratando de questões envolvendo a fauna,em razão do
disposto na própria Constituição Federal (art. 225, § 1º, VII) e na Lei
9.605/98 (art. 32, § 1º) sobre a proibição de práticas cruéis com animais.
No caso em questão, contudo, a autonomia didático-científica da
Universidade foi confundida com poder arbitrário de decisão e
desconsideração dos pedidos do aluno/autor, inclusive a ponto de
colocar-lhe como única opção a desistência da carreira profissional
escolhida, em razão da apresentação de novas idéias. Essas idéias, é
importante frisarmos novamente, são mundialmente difundidas em
instituições de ensino de ponta e de respeito,como se verifica pelos
documentos das fls. 65, 98-122 e informações trazidas no item 43 da
inicial (fl. 43), além de encontrarem respaldo constitucional e legal, e
na doutrina pátria, como se verifica pelas diversas citações de eminentes
autores sobre a matéria" (fls. 308, grifou-se), tendo dificuldades
esse Juízo para aceitar a generalização pretendida pela UFRGS. Não se está
dizendo que qualquer coisa que um aluno pretenda deva ser acolhido pela
instituição de ensino. Não é uma liberdade absoluta e anárquica do ensino
que está sendo discutida nos autos, mas tão-somente um exercício de
objeção de consciência perfeitamente especificado, que conta com forma
alternativa válida e é partilhado pelo autor com diversas outras pessoas e
grupos sociais, sem o risco do aluno se transformar em exclusivo soberano
dos seus conteúdos didáticos e regime de ensino;
(14) a existência de métodos
alternativos de ensino restou comprovada pela documentação trazida pelo
autor com a petição inicial, pelo que constou da promoção final do
Ministério Público Federal e, principalmente, pelo fato da UFRGS no
semestre anterior não ter utilizado as mesmas aulas práticas que nesse
semestre procurou incluir nas disciplinas. Tomando emprestadas as palavras
da réplica do autor, "a ré não logrou demonstrar a falta de fundamento
jurídico da pretensão do autor à objeção de consciência, haja vista que na
disciplina de Fisiologia Animal B a própria ré não utilizou as rãs por
falta de cumprimento de norma administrativa, por mero esquecimento, qual
o valor pedagógico dessas aulas sem as rãs? Será que os alunos não se
formaram ou então o semestre foi suspenso? Não, nada disso aconteceu, os
alunos se formaram e a ré silenciou em sua contestação, o que significa
que de fato a disciplina não necessitava das rãs para o aprendizado e, com
relação a outra disciplina, Bioquímica II, a ré cumpriu a liminar sem
ressalvas, e disponibilizou métodos alternativos, que pela determinação da
decisão liminar obrigou (...). Ora, se não fosse possível cumprir com a
ordem judicial nos termos apresentados, caberia uma ressalva por parte da
ré, quando do seu cumprimento, ou mesmo o seu descumprimento justificado,
mas nada disso aconteceu, haja vista que a professora responsável pela
disciplina enviou e-mail para o aluno conforme o determinado. Então
indaga-se: por acaso não teve o aluno-autor o mesmo aprendizado que os
demais alunos? Com a diferença que não precisou ferir suas convicções
éticas, tendo sido respeitado em sua dignidade" (fls. 247-248). Além
disso, a UFRGS não comprovou que não eram válidas as formas alternativas
de ensino trazidas pelo autor, nem que as aulas práticas objetadas pelo
aluno (que inclusive não eram ministradas nas disciplinas em outros
semestres) eram imprescindíveis para a graduação do aluno naquele
curso.
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Sobre os pedidos de mérito do autor,
examinando o que consta da petição inicial (fls. 45-46), verifica-se que a
pretensão do autor é: "(g) ... declarar nula a decisão que nega
a objeção de consciência requerida pelo autor nos autos do processo
administrativo nº 23078.020775/06-35; (h) ... declarar o direito
constitucional do autor a exercer a objeção de consciência relativamente a
todas as disciplinas que possuem aulas práticas com o uso de animais,
sendo determinado à ré que disponibilize trabalhos alternativos para o
autor em substituição às aulas práticas com uso de animais, sem distinção
de grau para avaliação do autor, sendo que tais trabalhos deverão ter o
reconhecimento da Universidade como sendo suficientes para garantir o
aprendizado do autor nas disciplinas, apresentando integral validade para
fins de aprovação final em cada disciplina e conclusão do curso de
bacharelado em Ciências Biológicas pelo autor; (i) que seja
condenada a ré a indenizar os danos morais que provocou no autor em valor
a ser arbitrado por este eminente Juízo; ... (k) que seja proibido
o uso de animais para aulas práticas no Curso de Ciências Biológicas da
ré, ou, alternativamente, (k.1) que seja concedido o prazo de seis
meses para que a ré proceda à substituição do uso de animais por recursos
alternativos em todas as disciplinas do curso de Ciências Biológicas, ou
em outro prazo que este eminente juízo entenda necessário, sob pena de
multa no valor a ser arbitrado por este eminente juízo. Caso não seja
possível a substituição do sacrifício de animais e a prática de
vivissecção por médotos alternativos, apresente a ré a devida
justificação, com aprovação do Conselho de Bioética da ré, nesse mesmo
prazo" (fls. 45-46). Passo ao exame desses pedidos, na forma que
segue:
Sobre o pedido (g) de fls. 45-46,
pretende o autor a procedência da ação para "declarar nula a decisão
que nega a objeção de consciência requerida pelo autor nos autos do
processo administrativo nº 23078.020775/06-35". Considerando o que foi
dito anteriormente quanto à objeção de consciência, a objeção apresentada
pelo autor é séria e relevante, cabendo à instituição de ensino
oportunizar alternativas para que o aluno realizasse as atividades
discentes e didáticas sem prejuízo de seu direito quanto às aulas
práticas. Por isso, julgo procedente esse pedido para: (A)
declarar nula a decisão administrativa da UFRGS que negou a objeção de
consciência requerida pelo autor nos autos do processo administrativo nº
23078.020775/06-35; (B) reconhecer o direito do autor à objeção de
consciência apresentada e determinar ao réu que providencie junto aos
professores responsáveis pelas disciplinas de Bioquímica II e Fisiologia
Animal B no que for necessário para assegurar ao autor a elaboração de
trabalhos alternativos em substituição às aulas práticas com o uso de
animais, sem distinção de grau para avaliação do autor e com
reconhecimento da Universidade desses trabalhos como sendo suficientes
para garantir o aprendizado do autor nas disciplinas referidas.
Sobre o pedido (h) de fls. 45-46,
pretende o autor a procedência da ação para "declarar o direito
constitucional do autor a exercer a objeção de consciência relativamente a
todas as disciplinas que possuem aulas práticas com o uso de animais,
sendo determinado à ré que disponibilize trabalhos alternativos para o
autor em substituição às aulas práticas com uso de animais, sem distinção
de grau para avaliação do autor, sendo que tais trabalhos deverão ter o
reconhecimento da Universidade como sendo suficientes para garantir o
aprendizado do autor nas disciplinas, apresentando integral validade para
fins de aprovação final em cada disciplina e conclusão do curso de
bacharelado em Ciências Biológicas pelo autor". Pelos motivos acima
expostos, o autor tem direito à objeção de consciência que manifestou, não
podendo ser discriminado nem prejudicado por sua opinião ou crença. Por
isso, julgo procedente esse pedido para: (C) declarar o
direito do autor a exercer a objeção de consciência relativamente a todas
as disciplinas que possuem aulas práticas com o uso de animais e envolvam
práticas cruéis (causando-lhes dor, morte ou sofrimento desnecessários),
quando disponíveis meios alternativos; (D) determinar a UFRGS que
disponibilize trabalhos alternativos para o autor em substituição às aulas
práticas com uso de animais, sem distinção de grau para avaliação do
autor, sendo que tais trabalhos deverão ter o reconhecimento da
Universidade como sendo suficientes para garantir o aprendizado do autor
nas disciplinas, apresentando integral validade para fins de aprovação
final em cada disciplina e conclusão do curso de bacharelado em Ciências
Biológicas pelo autor.
Sobre o pedido (i) de fls. 45-46,
pretende o autor a procedência da ação para que "seja condenada a ré a
indenizar os danos morais que provocou no autor em valor a ser arbitrado
por este eminente Juízo". Para julgar esse pedido, é preciso verificar
se houve dano moral causado ao autor que pudesse ser imputado à UFRGS.
Examinando o que está provado nos autos, esse Juízo conclui que a conduta
da UFRGS deu causa a danos morais que atingiram o autor e que devem ser
indenizados, tal como concluiu o lúcido parecer do Ministério Público
Federal: "a Universidade, titular do direito de ensino superior, e com
poder de exercê-lo com autonomia didático-científica, excedeu os
limites de seu direito, e o que determina a Constituição Federal a
respeito da liberdade e dignidade da pessoa (do aluno/autor na situação em
comento), não por ter negado o pedido de objeção de consciência do autor,
mas pela forma como o fez, subjetivando a matéria em debate,
minimizando o pedido do aluno e questionando sua competência e aptidão
para cursar a Faculdade de Ciências Biológicas e formar-se
biólogo" (fls. 316, grifou-se). Não há dúvida que se a UFRGS
tivesse se limitado a rejeitar a objeção de consciência suscitada pelo
autor, talvez não coubessem os danos morais pretendidos. Mas a UFRGS não
se limitou a afastar a objeção de consciência. Ela foi além disso,
tentando minimizar o aluno e inclusive questionando sua capacidade de um
desempenho profissional específico baseado em critérios subjetivos da
UFRGS, que não podem ser aceitos e não foram aceitos por essa sentença.
Embora isso sozinho não seja suficiente para caracterizar o dano moral, é
importante constatar que em juízo a UFRGS tentou ridicularizar ou, ao
menos, desqualificar os pedidos do aluno, trazendo na contestação
argumentos preconceituosos que não diziam respeito propriamente ao mérito
da pretensão do aluno. Referindo-se ao autor, por exemplo, a contestação
diz que "seu temperamento impede-o de atuar a nível científico"
(fls. 184). Diz também que "o autor requerer estapafúrdios pedidos,
todos sobrepondo-se aos direitos constitucionais dos demais colegas"
(fls. 191) e que "a própria idade do aluno descaracteriza a sua
legitimidade para propor esse tipo de pedido" (fls. 191). Ora, isso
deixa transparecer o preconceito com que o autor foi tratado em juízo pela
UFRGS: diz-se que seu temperamento o impede de atuar em nível científico;
que faz estapafúrdios pedidos, que pretende desconsiderar o direito dos
demais colegas, que sua idade não permite propor aquele tipo de pedido,
entre outras questões.
Ora, se em juízo o aluno é tratado dessa
forma, basta imaginar o que não passou no âmbito administrativo, o quanto
não foi ridicularizado, desqualificado e minimizado no meu estudantil e
acadêmico tão-somente porque exercitou um direito constitucional que
possuía. O assunto realmente é polêmico e complexo, existem algumas
opiniões favoráveis e outras contrárias ao aluno, algumas contrárias e
outras favoráveis à universidade. O debate é salutar, mas o que não pode
ser tolerado é que o debate seja recheado por preconceito e argumentos
"terroristas", como aqueles que dizem que o autor pretende impedir a
pesquisa científica, o consumo de animais para alimentação, etc. O autor
queria apenas fosse reconhecido seu direito à liberdade de consciência,
valendo-se de uma prerrogativa constitucionalmente explicitada. Cabia à
universidade não apenas assegurar o exercício desse direito, mas também
evitar que o indeferimento administrativo colocasse o autor numa situação
que o desqualificasse para o exercício da profissão ou o ridicularizasse
diante dos demais colegas, como foi feito.
Numa época em que todos se preocupam com o
respeito ao direito das minorias, em que a própria UFRGS adota uma
política racial de quotas para ingresso na universidade, é estranho que a
própria UFRGS não tenha conseguido enxergar o direito constitucional do
autor. Fosse o autor negro ou índio, tivesse o autor orientação sexual
distinta da convencional, sofresse o autor de alguma deficiência física,
certamente seria defendido e ninguém negaria seu direito à sua condição ou
às suas opções. Mas o autor é apenas um estudante que pretende conhecer e
estudar a vida para preservá-la e respeitá-la. Não quer ser um cientista,
não quer realizar pesquisa científica, quer apenas tornar-se biólogo e
graduar-se na ciência da vida. E, por uma questão de consciência (como
outras tantas pessoas), o autor sente-se constrangido em realizar seus
estudos com cobaias vivas quando isso não seja necessário. Ora, é
certo que ele dispõe desse direito constitucional e pode se valer da
objeção de consciência para tanto, não tendo a UFRGS o direito de privá-lo
desse direito e, muito menos, de desqualificá-lo no meio acadêmico,
científico, estudantil ou social apenas por isso, por acreditar em algo e
buscar seu direito.
Embora não tenha ficado suficientemente
esclarecido como tenha se dado a divulgação do documento de fls. 239 no
âmbito da Universidade, é certo que o mesmo deixa implícito que o autor
certamente não recebeu da universidade o melhor dos tratamentos quanto ao
seu direito, inclusive pela forma como o próprio documento foi referido
por quem autorizou sua divulgação (autorização manuscrita na parte final
de fls. 239, autorizando a "divulgação desta porra no âmbito da
UFRGS" - grifou-se). Tudo isso contribui para que se possa imaginar a
reação que a conduta do autor recebeu da UFRGS e o quanto o autor deve ter
sido ridicularizado e desqualificado por sua peculiar percepção frente ao
curso de biologia. Ou seja, se a UFRGS tentou ridicularizar os pedidos do
autor em juízo, a quanto não teria sido submetido o autor no convívio
universitário? Ou ainda, como dito pelo Ministério Público Federal,
"não deveria a Universidade diminuir ou mitigar a importância da
discussão, ou ainda utilizar-se de argumentos de autoridade, como aqueles
apresentados em sede de contestação, questionando a idade do autor e a
seriedade da demanda, quando a Constituição Federal, a legislação federal,
a respeitável doutrina e o próprio Supremo Tribunal Federal já
reconheceram a importância do tema. A Faculdade de Ciências Biológicas, ao
invés de refutar o pleito do autor e de questionar sua capacidade para se
formar como biólogo, deveria ter dado as boas vindas às novas idéias e à
nova geração de profissionais de biologia preocupados em modificar as
condições de ensino de forma a causar o menor prejuízo possível aos
animais, estudando, abraçando e aprofundando o diálogo com a nova visão
que foi trazida pelo autor, ao invés de simplesmente rechaçar o pedido sem
prévia análise e discussão" (fls. 306-307).
Infelizmente, as partes não produziram
maiores provas desses fatos no curso do processo. As duas partes
preferiram não trazer testemunhas, certamente evitando que a "ferida"
fosse mais exposta por eventual instrução probatória. Isso terá reflexos
na quantificação do dano moral, mas não descaracteriza sua ocorrência: o
autor sofreu danos morais em decorrência da forma como foi tratado seu
pedido no âmbito administrativo pela UFRGS, especialmente considerando a
recomendação para que abandonasse o curso de biologia e se tentasse outra
atividade. Ou seja, a UFRGS afirmou que o autor era inapto para ser um
biólogo e que não tinha condições de desempenhar a contento aquela
profissão. A UFRGS discriminou o autor porque ele tentou exercer um
direito constitucional.
Reconhecida a ocorrência de danos morais à
imagem e à personalidade do autor decorrentes do tratamento que a UFRGS
dispensou no âmbito administrativo ao pedido do autor, cabe quantificar a
indenização devida. Ora, diante das poucas provas trazidas pelas partes
quanto à extensão e ao alcance dos danos morais, esse Juízo entende que
está em questão muito mais uma reparação propriamente moral do que
pecuniária. O autor não é um mercenário que está tentando a sorte com um
pedido de danos morais. Muitas vezes, se fala em "indústria" dos danos
morais, dando conta de situações em que alguém pretende se valer de um
fato ocorrido com repercussões morais para ganhar uma indenização
financeira que provoque seu enriquecimento. São situações em que a
pretensa vítima pretende transformar o ocorrido numa loteria, para lucrar
com isso.
Certamente, com absoluta certeza, esse não é
o caso do autor, que defende em juízo uma posição jurídica que decorre de
sua crença e convicção. O autor se submeteu a tudo que foi necessário para
a defesa do seu direito, seja no âmbito administrativo, seja no âmbito
judiciário. Certamente não tinha intenção de enriquecer com essa ação, mas
tão-somente ver restabelecido seu direito. É o caso típico de cidadão que
luta por seus direitos, que busca vê-los respeitados e, quando não
consegue isso, busca fazê-los respeitar com os instrumentos processuais e
jurisdicionais postos à sua disposição. Tanto é verdade que o autor não
indica na petição inicial o valor dos danos morais que pretende receber
como reparação, limitando-se a formular o pedido e deixar ao arbítrio do
juízo a fixação.
Ora, considerando tudo isso e o que consta
dos autos, verifica-se que o pedido de indenização por danos morais tem
muito mais um caráter simbólico do que pecuniário. O autor não busca
enriquecer ou lucrar com uma indenização, mas tão-somente receber a devida
reparação moral pelos prejuízos que sofreu no âmbito administrativo. É
certo que a procedência da ação quanto aos demais pedidos já constitui um
início de reparação, restabelecendo o direito do autor que tinha sido
violado e declarando jurisdicionalmente que a razão no mérito estava com o
autor. Mas é conveniente que isso seja acrescido também de uma indenização
por danos morais que repare, de forma simbólica, o que o autor sofreu à
sua imagem e à sua personalidade com o indeferimento à sua objeção de
consciência. Essa indenização, entretanto, deve ser fixada num valor
simbólico tão-somente para confirmar a correção da conduta do autor e,
principalmente, reparar de forma simbólica aqueles prejuízos de ordem
moral que o autor experimentou.
É prudente que esse Juízo arbitre esse valor
simbólico de indenização no valor que o autor atribuiu à causa (R$
1.000,00 em 28/05/07 - fls. 46) porque: (a) esse valor não é
excessivo nem arbitrário, não gerando enriquecimento de uma parte em
detrimento da outra; (b) esse valor leva em conta as peculiaridades
do caso concreto, onde não foram produzidas outras provas mais completas
dos danos morais que teriam sido causados; (c) esse valor foi
atribuído à causa pelo próprio autor, deixando claro o autor que não era
sua pretensão transformar a reparação em valor pecuniário, o que inclusive
provavelmente atentasse contra o próprio autor, que com a presente ação
buscar defender muito mais do que um simples direito subjetivo, defendendo
uma visão de mundo que merece respeito de todos (quanto à proteção aos
animais e preservação da vida), inclusive daqueles que dela discordem;
(d) esse valor é simbólico e dá ao autor a certeza de que sua
conduta foi correta quando buscou a defesa de seus direitos.
Por isso, julgo procedente esse pedido
para: (E) condenar a Universidade Federal do Rio Grande do Sul a
pagar ao autor, a título de danos morais, a importância de R$ 1.000,00 (em
valores de 28/05/2007), com os devidos acréscimos estabelecidos nessa
sentença.
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Sobre o pedido (k) de fls. 45-46,
pretende o autor a procedência da ação para que "seja proibido o uso de
animais para aulas práticas no Curso de Ciências Biológicas da ré, ou,
alternativamente, que seja concedido o prazo de seis meses para que a ré
proceda à substituição do uso de animais por recursos alternativos em
todas as disciplinas do curso de Ciências Biológicas, ou em outro prazo
que este eminente juízo entenda necessário, sob pena de multa no valor a
ser arbitrado por este eminente juízo. Caso não seja possível a
substituição do sacrifício de animais e a prática de vivissecção por
métodos alternativos, apresente a ré a devida justificação, com aprovação
do Conselho de Bioética da ré, nesse mesmo prazo". Quanto a esse
pedido, a UFRGS esclareceu às fls. 200-209 como se dá a utilização de
animais para as atividades didático-pedagógicas no âmbito da UFRGS. Ali
está dito que é observado um procedimento próprio para a realização dessas
atividades, com controle pelos órgãos próprios da Universidade. Não houve
requerimento administrativo do aluno quanto a essa providência no âmbito
da UFRGS (o requerimento de fls. 50-52 não esgota essa questão), nem há
uma comprovação efetiva dos procedimentos e requisitos que são utilizados
pela UFRGS nas aulas práticas que apontassem alguma ilegalidade ou
abusividade que viesse sendo cometida. Ao contrário, consta dos autos uma
correspondência eletrônica do Diretor do ICBS (fls. 68) dando conta de que
exigiu do professor de determinada disciplina que encaminhasse o plano de
ensino e justificasse o pedido para compra de rãs para serem utilizadas em
aulas práticas, reiterando o pedido ao professor e não o atendendo porque
isso não foi observado pelo professor da disciplina, o que aponta para a
existência de procedimentos internos de controle que visam assegurar os
procedimentos legais e éticos exigíveis. Além disso, existe norma penal
incriminando os abusos nas atividades didático-científicas (art. 32-§ 1º
da Lei 9.605/98) que, embora realmente não alcance a UFRGS enquanto pessoa
jurídica, alcança as pessoas físicas responsáveis pelas práticas cruéis
com animais vivos, o que parece suficiente nesse momento para garantir a
proteção ambiental mínima devida aos seres vivos. Como não houve prova
conclusiva de que a UFRGS praticasse alguma conduta irregular quanto a
esse pedido, o mesmo deve ser julgado improcedente. Por isso, julgo
improcedente esse pedido do autor.
QUANTO AO VALOR DA CONDENAÇÃO.
Considerando a natureza da pretensão discutida na ação, os valores da
condenação deverão ser apurados na competente liquidação de sentença, tudo
atualizado monetariamente na forma da Lei 6.899/81 e alterações
posteriores. O termo inicial da correção monetária é a data em que cada
valor, parcela ou prestação seria devido, para evitar enriquecimento sem
causa da parte devedora.
Para correção monetária dos valores devidos,
desde já fica definida a utilização dos seguintes índices e critérios:
ORTN (até fevereiro de 1986); OTN (até janeiro de 1989); BTN (até
fevereiro de 1991); INPC (até julho de 1994); IPC-r (até julho de 1995);
INPC (posteriormente) e, havendo alteração legislativa, outros índices que
o venham substituir, com a inclusão dos expurgos inflacionários (IPC) de
janeiro de 1989, março, abril e maio de 1990, e fevereiro de 1991 (Súmulas
32, 37 e 53 do TRF4ªR).
Os valores da condenação deverão ser
acrescidos de juros moratórios de 12% (doze por cento) ao ano, a contar da
citação (art. 219 do CPC).
QUANTO AOS ENCARGOS PROCESSUAIS. Os
encargos processuais (custas judiciais, despesas processuais e honorários
advocatícios) deverão ser suportados pela UFRGS, porque sucumbente, tudo
com fundamento no art. 20-caput do CPC. A sucumbência do autor é tida como
mínima para os fins do art. 21 do CPC, devendo os encargos processuais
serem integralmente suportados pela UFRGS. Os honorários do advogado da
parte vencedora são arbitrados em R$ 3.000,00 (três mil reais),
considerando o disposto na alínea "c" do § 3° e no § 4° do art. 20 do CPC,
bem como o acompanhamento do processo, o valor que foi atribuído à causa e
a ausência de cartas precatórias, de dilação probatória ou de realização
de audiências.
3. DISPOSITIVO:
Pelas razões expostas, JULGO PARCIALMENTE
PROCEDENTE A AÇÃO para: (A) declarar nula a decisão
administrativa da UFRGS que negou a objeção de consciência requerida pelo
autor nos autos do processo administrativo nº 23078.020775/06-35; (B)
reconhecer o direito do autor à objeção de consciência apresentada e
determinar ao réu que providencie junto aos professores responsáveis pelas
disciplinas de Bioquímica II e Fisiologia Animal B no que for necessário
para assegurar ao autor a elaboração de trabalhos alternativos em
substituição às aulas práticas com o uso de animais, sem distinção de grau
para avaliação do autor e com reconhecimento da Universidade desses
trabalhos como sendo suficientes para garantir o aprendizado do autor nas
disciplinas referidas; (C) declarar o direito do autor a exercer a
objeção de consciência relativamente a todas as disciplinas que possuem
aulas práticas com o uso de animais e envolvam práticas cruéis
(causando-lhes dor, morte ou sofrimento desnecessários), quando
disponíveis meios alternativos; (D) determinar a UFRGS que
disponibilize trabalhos alternativos para o autor em substituição às aulas
práticas com uso de animais, sem distinção de grau para avaliação do
autor, sendo que tais trabalhos deverão ter o reconhecimento da
Universidade como sendo suficientes para garantir o aprendizado do autor
nas disciplinas, apresentando integral validade para fins de aprovação
final em cada disciplina e conclusão do curso de bacharelado em Ciências
Biológicas pelo autor; (E) condenar a Universidade Federal do Rio
Grande do Sul a pagar ao autor, a título de danos morais, a importância de
R$ 1.000,00 (em valores de 28/05/2007), com os devidos acréscimos
estabelecidos nessa sentença; (F) determinar que os valores devidos
sejam atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios,
conforme acima estipulado; (G) condenar a UFRGS a suportar os
encargos processuais, tudo nos termos da fundamentação.
Sentença sujeita a reexame necessário (art.
475 do CPC), devendo os autos ser remetidos ao TRF4ªR após o decurso do
prazo para os recursos voluntários.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Porto Alegre, 16 de maio de 2008.
Fonte: Pensata Animal:
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