ELE PRECISA SOFRER?
No 1º ano do curso, 42% dos estudantes de Biomédicas enfrentam algum
conflito ético, de acordo com uma pesquisa da Associação
Latino-Americana de Ética, Negócios e Economia. Isso acontece porque o
uso de animais expõe o estudante a inúmeras contradições, diz o órgão,
em documento publicado em maio. “Biólogos e médicos, com a missão de
reduzir ou eliminar o sofrimento, são obrigados a matar para depois
salvar, desrespeitar para, assim, respeitar.”
A autoridade do professor é raramente questionada pelos estudantes, que
se calam por receio de se prejudicar. “Eles não são encorajados a
expressar suas preocupações”, diz o sociólogo americano Arnold Arluke,
da Universidade Nova York. “Os dilemas dos alunos são vistos pelos
professores como questões pessoais. A coisa vai passando e de certa
forma os alunos se acostumam.” Segundo o Ministério da Educação, a
ética não é disciplina obrigatória em pelo menos 50% dos cursos no
Brasil. Na universidade de Bachinski, ela não existe nem entre as
optativas.
Afinal, é possível se tornar um bom biólogo sem usar bichos em
laboratórios? A experiência internacional mostra que sim. Na Europa e
nos EUA, os animais estão sendo substituídos. Cerca de 75% das
instituições americanas não usam animal vivo no ensino de graduação. É
o caso de universidades conceituadas como Harvard, Stanford, Colúmbia e
Yale. Na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade
de São Paulo (USP), os professores usam só animais que tiveram morte
natural. Na pós-graduação, o uso de animais parece ser mais justificado
academicamente. Mesmo assim, tem diminuído no mundo.
42% dos estudantes de Biomédicas enfrentam conflito ético pelo uso de animais, diz uma pesquisa
Por que, então, essa é uma prática tão comum em laboratórios, centros
de pesquisas e estabelecimentos de ensino? Talvez porque seja tão
arraigada que poucos questionem. Filósofos como René Descartes
comparavam os animais a peças de máquinas, a serviço dos homens. O
impulso maior à vivissecção veio com o lançamento da obra Introdução à
Medicina Experimental, do fisiologista Claude Bernard, no século XIX.
Ela é tida hoje como um procedimento comum no ensino.
O biólogo americano George Russell, da Universidade Princeton, não
acredita que a vivissecção possa tornar a pessoa mais capacitada
tecnicamente. Menos ainda emocionalmente. “Cada vez que mata um animal,
o estudante se torna mais insensível. Tais práticas levam a danos
sistemáticos e progressivos na capacidade de sensibilidade e produzem
mudanças de personalidade” , diz. “Uma pessoa que pode infligir
sofrimento em animais pode fazer o mesmo com seres humanos.”
Se Bachinski tiver sucesso no final do processo, pode criar
jurisprudência. Um caso idêntico ao dele abriu precedente para a atual
lei estadual na Califórnia. A estudante americana Jenifer Grahan, da
Universidade da Califórnia, se recusou a dissecar um animal em aula
prática. A instituição não ofereceu a ela alternativas didáticas. A
aluna levou o caso ao tribunal. Em pouco mais de um ano, uma centena de
estudantes fez o mesmo e a Califórnia estabeleceu por lei os direitos
do estudante de não usar animais. Em Bauru, interior paulista, uma lei
municipal permite a objeção de consciência àqueles que lidam com
experimentação animal em escolas ou centros de pesquisa. Na semana
passada, a Câmara dos Deputados aprovou uma lei que regulamenta o uso
de animais no ensino. Mas ela não prevê como lidar com objeções
pessoais de alunos como Bachinski.
LUCIANA VICÁRIA
Ricardo Faeger
Yves Forestier
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