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Eles não acham graça no circo

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Diário do Comércio, 13, 14 e 15 de dezembro de 2008, p. 12.

Debate na OAB/SP dividiu ativistas e donos de circos. Ambientalistas defendem a proibição de animais nos espetáculos em todo o país, alegando maus-tratos.

Ricardo Osman

Os ânimos ficaram exaltados e quase terminou em confusão a palestra organizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), na quinta-feira à noite, sobre utilização de animais em circos no país. Um projeto de lei neste sentido já tramita na Câmara dos Deputados.

Mas a turma do circo apareceu no final. Representantes do Circo Spacial e do Le Cirque decidiram discursar no microfone diante do auditório lotado na sede da OAB, na praça da Sé.

“Estamos aqui porque querem acabar com o circo”, disse Marlene Olimpia Querubim, presidente do Circo Spacial, que defende o uso de elefantes, leões e macacos nos picadeiros. “É o público que pede para ver shows com animais”, alegou, acrescentando que se sente perseguida pela polícia nas cidades onde a utilização de animais nos espetáculos circenses está proibida por lei municipal. Atualmente, 55 Municípios brasileiros não permitem a presença de animais nos circos, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro.

Zoológico – “Até o meu trailer a polícia já entrou em busca de bichos”, disse ela. Ao seu lado estava um homem que se apresentou como o sócio do Le Cirque. Era Augusto Stevanovich e também discursou. Disse que veio de Brasília. “Comprei um rinoceronte branco por 40 mil dólares e trouxe o animal para o Brasil, mas estão tentando tirá-lo de mim”, protestou. “Já levaram meus elefantes para o zoológico”.

Um participante, na platéia, gritou “Façam circo sem animais!” e foi aplaudido pelos presentes. Neste momento o ativista da VEDDAS, ONG de defesa dos direitos dos animais, George Guimarães, perguntou em voz alta se os animais eram “felizes no circo”. “Quero saber apenas isso”, disse Guimarães. Já passava das 22 horas e o presidente da mesa, Denis Donaire Júnior, da Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP, encerrou o debate. Mas a discussão continuou quente na Praça da Sé.

Na calçada, a presidente do Circo Spacial fez novo desabafo e disse que, apesar dos palhaços, mágicos e trapezistas, são os animais que garantem a bilheteria dos circos. “O público no interior, lá em Juazeiro do Norte, quer ver é o ‘ratão da Amazônia’, como eles chamam o elefante”, disse Marlene. “Sem os animais eles vão dizer que o circo não tem graça”.

Prevaleceu na palestra posição favorável dos advogados, estudantes de Direito e dos ativistas a favor de rigorosa proibição em todo o país de animais nos picadeiros. No auditório lotado, antes do bate-boca, foram exibidas fotos e vídeos que revelam maus-tratos aos animais e discutida a necessidade de uma lei para regular o assunto.

Abandono – Nina Jacob, ativista, e Renata de Freitas Martins, advogada especializada em Direito Ambiental, contaram a história de um macaco que vivia acorrentado no trailer quando não estava no picadeiro e de leões que, depois de anos servindo ao respeitável público, foram abandonados velhinhos por donos de circos.
“Depois de usados, os animais são largados em estradas no interior”, disse Nina Rosa, mostrando fotos do flagrante ocorrido no Estado de São Paulo. Ela exibiu também provas de que leões e ursos têm seus dentes e garras cortadas para que sejam inofensivos aos domadores. E aí afirmou que os elefantes aprendem a “dançar” porque levam estocadas em pontos sensíveis do corpo.

Renata afirmou que os animais não se divertem em cena. “O circo é uma atividade que não tem nada a ver com a natureza dos bichos. A utilização de animais em espetáculos é cruel, imoral e antiética”, disse. “Não deve ser admitida em hipótese nenhuma”.

Frigorífico – Na palestra Renata Martins narrou como resgatou, com um grupo de ativistas, o leão Darshan, que vivia trancado no quarto de um frigorífico no Espírito Santo. “Participei pessoalmente do resgate”, disse ela. O dono de um circo passou pela cidade e deu o leão para o frigorífico em troca de carne. A imagem do animal desconsolado no chão em nada lembra o rei da selva.

“Recebemos uma denúncia e fomos ao local. O Darshan estava há doze anos fechado no quarto”, contou Renata. “Tivemos que recorrer à Justiça e solicitar ajuda da policial para tirar o animal”. Ela perguntou: “É assim que os donos de circo tratam os leões?”. Hoje Darshan vive em um santuário ecológico.

Os dois outros palestrantes da noite foram o advogado Daniel Braga Lourenço, formado pela PUC-Rio e especialista em Direito Ambiental pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e o promotor de justiça de São José dos Campos (SP), Laerte Fernando Levai.

Lourenço discorreu sobre como os animais estão inseridos no Direito. Entrou no campo da Filosofia, da religião e da História para propor mudanças na maneira da sociedade atual conviver e proteger os animais.

Lei – O promotor Levai discorreu sobre moral e ética para tratar do assunto e finalizou com o anúncio de “uma boa notícia”. “Recebi a informação de que foi aprovado na Câmara Municipal de São José dos Campos projeto que proíbe uso de animais em circos no Município”. Agora resta a sanção do Prefeito da cidade.

A platéia aplaudiu. Mais uma cidade deverá entrar para a lista dos locais onde os animais não poderão estar em picadeiros pulando arcos de fogo ou dançando com roupas de bailarinas. A advogada Renata estimulou todos a irem à luta: enquanto não for aprovada lei federal sobre o assunto, todos devem tentar mudar as regras nas Câmaras dos Vereadores.

O que seguiu foi uma aula sobre os artigos da Constituição referentes ao conteúdo do Decreto 24.645, de 1934, e da Lei 9.605, de 1998, que defendem o meio ambiente e condenam os maus-tratos em animais no país. Os advogados e ativistas querem uma batalha jurídica a favor da causa.

O promotor Levai encerrou os debates referindo-se ao projeto de lei que tramita na Câmara Federal. “Faço votos para que o projeto seja aprovado”, disse ele. “Não sou contra o circo, mas contra os circos que têm animais”.


Projeto proíbe a apresentação dos bichos nos picadeiros de todo o país.


Deputados discutem o destino dos animais


O ano de 2009 será decisivo para os animais que trabalham em circos no Brasil. O destino deles está nas mãos dos deputados e senadores.

Atualmente, tramita na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados o projeto de lei número 7.291, de 2006, que proíbe a utilização de animais de quaisquer espécies nos espetáculos de circo no país. Espera-se uma decisão sobre o assunto ainda no primeiro semestre.

O relator do projeto é o deputado Antônio Carlos Biffi (PT-MS), que fez um substitutivo ao projeto  que recebeu do Senado, elaborado pelo Senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Dias é favorável à regulamentação da atividade de animais nos circos mas não a proibição. Sua proposta define regras e exigências como a presença de veterinários nos circos.

Biffi recebeu o projeto em 2007 e fez as mudanças. Em sua proposta os circos em funcionamento no território nacional terão três anos para dar destino aos animais. O projeto prevê o envio dos animais para zoológicos ou instituições que cuidam, com autorização do Ibama, de animais selvagens e exóticos. A atual legislação já proíbe o uso de animais da fauna nacional em espetáculos, assim como o seu comércio. Mas nada fala sobre bichos domésticos e os que vêm da África ou da Ásia.

O projeto de lei 7.291 tem um longo caminho pela frente. Da Comissão de Cultura e Educação seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Depois deve voltar ao Senado. O gabinete do deputado prepara audiência pública sobre o assunto para depois do recesso parlamentar, no início de 2009.

Biffi lançou na semana passada, junto com outros deputados, a frente parlamentar do circo. O grupo pretende defender bandeiras ligadas aos trabalhadores e à educação de seus filhos, dificultadas pelo fato da atividade ser itinerante. Há cerca de 2500 circos no país. Mas em relação aos animais a Frente já tem posição fechada: é contra a presença deles nos picadeiros.

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