Cianocobalamina x Metilcobalamina: A Guerra Santa da B12 no Mundo Vegano
Por um blogueiro vegano que já viu de tudo — até influencer de nutrição achando que "methyl" é sinônimo de milagre.
Uma fé chamada Metilcobalamina
Dentro do universo vegano, onde ética alimentar e saúde caminham juntas, poucas vitaminas causam tanta confusão — e, sejamos honestos, tanta treta nas redes sociais — quanto a tal da B12. Mas não qualquer B12. Estamos falando da guerra silenciosa (ou barulhenta, dependendo da postagem no Instagram) entre dois formatos: metilcobalamina e cianocobalamina.
Influenciadores, médicos e nutricionistas "do bem" têm repetido como mantra: “prefira a metilcobalamina, porque ela é a forma ativa, natural, melhor absorvida pelo corpo”. Parece lógico, parece bonito — mas, segundo estudos sérios, parece que não é bem assim.
Ciência 1 x 0 Mito: o que os estudos mostram
Três estudos publicados nos últimos anos analisaram justamente o que muitos evitam discutir: será que a metilcobalamina é mesmo superior? O que eles descobriram é um balde de água fria nos seguidores do culto da metil.
Vamos aos fatos.
Um estudo conduzido com adultos veganos romenos ( Zugravu et al., 2021) mediu os níveis de holotranscobalamina — o verdadeiro indicador de B12 ativa no sangue. Resultado: quem suplementava com cianocobalamina tinha valores significativamente maiores do que os adeptos da metilcobalamina. Média de 150 pmol/L vs. 78,5 pmol/L. Uma lavada.
E mais: a frequência da suplementação era um fator crítico. Aqueles que tomavam cianocobalamina com mais regularidade tinham resultados ainda melhores. Já os que optavam por "fontes naturais" como kombucha, algas e leveduras, sequer alcançavam os níveis mínimos de segurança. (Sim, amigo, kombucha não salva ninguém aqui.)
Metilcobalamina: desmonta aqui, remonta ali
Agora vem a parte que poucos querem escutar: o corpo não aproveita diretamente a metilcobalamina vinda do suplemento. Isso mesmo.
Ao contrário do que o marketing diz, essa “forma ativa” não entra no organismo e vai direto fazer milagres. Assim que é absorvida, o corpo a desmonta, remove o grupo metil, e só depois reconstrói o que for necessário. Em outras palavras: o esforço metabólico para ativar a metil é basicamente o mesmo que o da ciano. Não há vantagem fisiológica em pular a “etapa ciano”. Isso é bioquímica básica, não teoria da conspiração.
Como os autores do estudo romeno explicam, "não há superioridade metabólica da metilcobalamina em relação à cianocobalamina". É como pagar mais caro por um suco “natural” que, no fim, passa pelo mesmo processamento do outro mais barato.
E quanto às crianças? Spoiler: ciano funciona igual (ou melhor)
Dois estudos com crianças (um com faixas de 0 a 3 anos e outro com 5 a 18 anos) mostraram que tanto a metilcobalamina quanto a cianocobalamina — oral, sublingual ou intramuscular — são eficazes para normalizar os níveis de B12 no sangue. Mas com um detalhe incômodo para os defensores da metil: a cianocobalamina frequentemente atinge níveis mais altos no sangue.
Ou seja, nem mesmo entre os pequenos, onde a absorção pode ser mais sensível, a metil leva vantagem. Ponto final? Ainda não. Tem mais.
O custo da fé: dinheiro (e tempo) jogado fora
Muitos suplementos de metilcobalamina são vendidos a preços significativamente maiores. Há sprays, sublinguais, cápsulas que prometem mundos e fundos. Já a cianocobalamina é barata, estável, e pode ser tomada em doses simples, com excelente biodisponibilidade. Isso não é opinião: é evidência clínica.
Além disso, a metilcobalamina é menos estável, se degrada mais facilmente com luz, calor e tempo. Isso significa que aquela dose de 5.000 mcg pode já estar meio "morta" na hora que você abre o potinho. Enquanto isso, a ciano segue firme e forte.
O culto da vitamina: quando a nutrição vira religião
É aí que a discussão deixa o campo científico e entra no terreno pantanoso da fé. “Mas eu sinto que a metil é melhor!” — dizem alguns. Outros invocam o argumento do “natural”, como se isso fosse sinônimo de superioridade (spoiler: nem sempre é).
A comunidade vegana tem feito um trabalho incrível em promover saúde, ética e sustentabilidade. Mas quando se apega a dogmas infundados, corre o risco de comprometer sua própria credibilidade. Questionar é saudável. Ignorar evidências não é.
Conclusão: hora de deixar o dogma e abraçar a ciência
A batalha entre metil e ciano não é apenas sobre vitaminas — é sobre como decidimos o que é verdade. E neste caso, a ciência foi clara, objetiva e até um pouco cruel com as crenças populares.
Se você é vegano, parabéns. Sua escolha é admirável. Mas se você ainda acha que a metilcobalamina é “a melhor B12 porque sim”, talvez esteja na hora de revisar suas fontes — e sua fé.
Porque no fim do dia, o que vale é manter a saúde em dia. E nisso, a humilde e barata cianocobalamina continua ganhando por W.O.
FAQ – Suplementação de Vitamina B12 (Cianocobalamina x Metilcobalamina)
1. “Mas a cianocobalamina não contém cianeto? Isso não faz mal ao organismo?”
Essa é uma das dúvidas mais comuns — e um dos maiores mitos espalhados nas redes. Sim, a molécula de cianocobalamina contém um radical ciano, mas a quantidade de cianeto liberada durante o metabolismo dessa forma de B12 é infinitesimal e completamente segura para o organismo humano saudável.
Para você ter ideia, seriam necessárias 2604 cápsulas de 1000 mcg ingeridas de uma só vez para que houvesse algum risco teórico de toxicidade por cianeto. E mesmo assim, o corpo possui mecanismos eficientes de desintoxicação, como a conversão do cianeto em tiocianato no fígado, que depois é eliminado pela urina.
A Organização Mundial da Saúde e diversas agências reguladoras internacionais reconhecem a cianocobalamina como segura e eficaz, amplamente utilizada há décadas em contextos clínicos e populacionais, incluindo campanhas de fortificação alimentar em larga escala.
2. “Se não tenho problema de absorção, tanto faz a forma de B12 que eu tomo?”
Para a maioria das pessoas saudáveis, sim: cianocobalamina e metilcobalamina funcionam de maneira semelhante em eficácia, desde que sejam utilizadas em doses adequadas e com a frequência correta. Ambas são convertidas no organismo nas formas ativas que participam do metabolismo celular.
Porém, existem condições clínicas que interferem na absorção intestinal da vitamina B12, como gastrite atrófica, uso prolongado de inibidores da bomba de prótons (como omeprazol e pantoprazol), cirurgia bariátrica, doenças inflamatórias intestinais ou deficiência do fator intrínseco.
Nesses casos, formas de administração alternativas — como a sublingual, intramuscular ou até intranasal — costumam ser consideradas por oferecerem absorção independente do trato gastrointestinal. No entanto, estudos mostram que, mesmo em cenários de absorção comprometida, a via oral pode ter eficácia equivalente à sublingual, desde que utilizada em doses adequadas. A decisão sobre a forma de suplementação deve sempre considerar o contexto clínico individual e ser feita com acompanhamento profissional.
3. “Ouvi dizer que só doses acima de 1000 mcg são boas. 500 mcg é pouco?”
Isso não procede. A dose ideal varia de acordo com o objetivo (prevenção ou tratamento), a condição clínica do paciente e os níveis séricos de B12.
Para a manutenção de bons níveis em veganos ou vegetarianos sem deficiência prévia, doses de 500 mcg diários de cianocobalamina são geralmente suficientes para manter níveis adequados. Já no tratamento de uma deficiência estabelecida, doses maiores, como 1000 mcg por dia ou até mais, podem ser utilizadas por um período determinado, com acompanhamento clínico.
A boa notícia é que a vitamina B12 não é tóxica mesmo em doses elevadas. O excesso é simplesmente excretado pela urina. Isso permite certa flexibilidade posológica, mas reforçamos: não é obrigatório iniciar com altas doses, e sim realizar exames laboratoriais e acompanhar com um profissional habilitado, que poderá ajustar a dose conforme a resposta do organismo.
4. “Posso usar fontes ‘naturais’ de B12 como algas, kombucha ou levedura nutricional?”
Infelizmente, não. Embora algumas algas (como a spirulina ou chlorella), fermentados como kombucha ou alimentos com levedura pareçam conter vitamina B12, o que eles contêm são análogos da B12 — compostos parecidos com a vitamina verdadeira, mas inativos no corpo humano.
Pior: esses análogos podem competir com a absorção da B12 verdadeira, mascarar resultados laboratoriais e dificultar diagnósticos. A única forma segura e confiável de obter B12 sem consumir produtos de origem animal é por meio de suplementação ou alimentos fortificados com B12 sintética.
5. “É verdade que o exame de B12 no sangue pode enganar?”
Sim, é verdade. O exame de “vitamina B12 total” pode apresentar valores normais mesmo em casos de deficiência funcional. Isso ocorre porque ele mede tanto a B12 ativa quanto formas inativas — incluindo análogos não funcionais encontrados em algumas fontes alimentares “naturais”.
O marcador mais fiel para detectar deficiência de B12 é o ácido metilmalônico (MMA), cuja elevação indica acúmulo metabólico típico da carência funcional da vitamina. Em seguida, a homocisteína também é um indicativo importante, embora seus níveis possam ser influenciados por outros nutrientes como ácido fólico e vitamina B6, o que pode limitar sua especificidade. Já o exame de holotranscobalamina (holoTC), que mede a fração ativa da B12 circulante, é útil como etapa inicial na avaliação do status da vitamina.
6. “Quais sintomas posso ter se estiver com deficiência de B12?”
A deficiência de vitamina B12 pode se manifestar de forma silenciosa e progressiva, com sintomas variados, como:
- Fadiga persistente
- Formigamentos (mãos/pés)
- Perda de memória ou confusão mental
- Irritabilidade, depressão
- Palpitações, tontura
- Língua dolorida ou vermelha
- Anemia megaloblástica
Em casos avançados, pode causar danos neurológicos irreversíveis. Por isso, é fundamental prevenir com suplementação regular, especialmente em populações de risco como veganos, vegetarianos, idosos e pessoas com problemas gastrointestinais.
7. “Preciso tomar B12 para o resto da vida?”
Se você segue uma dieta vegetariana estrita ou vegana, sim — a suplementação de B12 deve ser contínua e para a vida toda, a menos que haja fontes confiáveis e regulares de B12 na alimentação (o que, no caso de dietas vegetais, não existe naturalmente).
O corpo armazena B12 no fígado, o que pode fazer com que os sintomas levem anos para aparecer. Mas quando aparecem, o estrago já está em curso. A prevenção é sempre o melhor caminho.
8. “Posso fazer suplementação apenas uma vez por semana com uma dose alta?”
Claro! Aqui está o trecho revisado com a inclusão da informação sobre doses semanais mais altas para manutenção:
Sim, é possível. A vitamina B12 possui duas vias de absorção: uma dependente do fator intrínseco (com capacidade limitada por dose), e outra por difusão passiva, que permite a absorção de aproximadamente 1% da quantidade ingerida, independentemente da saturação dos receptores.
Isso significa que, ao tomar uma dose de 2000 mcg, por exemplo, cerca de 20 mcg serão efetivamente absorvidos — o que já é mais do que suficiente para fins de manutenção em pessoas saudáveis.
Por isso, regimes como 1000 a 2000 mcg uma ou duas vezes por semana funcionam bem. E para muitas pessoas, especialmente aquelas que preferem menos frequência, a dose semanal de manutenção pode variar entre 5000 mcg a 10000 mcg, com excelente eficácia. A escolha da dose ideal deve levar em conta fatores como preferência pessoal, adesão ao tratamento, presença de sintomas e exames laboratoriais.
9. “Existe risco de overdose de B12?”
Na prática, não. A vitamina B12 é hidrossolúvel, e o excesso é eliminado pela urina. Não há limite superior de segurança definido pelas principais autoridades de saúde (como o Institute of Medicine ou EFSA). Doses diárias de até 5000 mcg são utilizadas clinicamente sem efeitos adversos conhecidos.
Isso não significa que mais é sempre melhor, mas sim que a suplementação com B12 é muito segura, mesmo em doses elevadas.
Referências
- Zugravu, C.-A., Macri, A., Belc, N., & Bohiltea, R. (2021). Efficacy of supplementation with methylcobalamin and cyancobalamin in maintaining the level of serum holotranscobalamin in a group of plant-based diet (vegan) adults. Experimental and Therapeutic Medicine, 22:993. https://doi.org/10.3892/etm.2021.10425
- Tuğba-Kartal, A., & Çağla-Mutlu, Z. (2020). Comparison of Sublingual and Intramuscular Administration of Vitamin B12 for the Treatment of Vitamin B12 Deficiency in Children. Revista de Investigación Clínica, 72(6), 380–385. https://doi.org/10.24875/RIC.20000208
- Orhan Kiliç, B., Kiliç, S., Eroğlu, E. Ş., Gül, E., & Belen Apak, F. B. (2021). Sublingual methylcobalamin treatment is as effective as intramuscular and peroral cyanocobalamin in children age 0–3 years. Hematology, 26(1), 1013–1017. https://doi.org/10.1080/16078454.2021.2010877
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