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Ácido Láctico

Ácido láctico em alimentos industrializados: guia para veganos

Introdução: Muitas pessoas da comunidade vegana ficam em dúvida ao ver ácido láctico listado nos rótulos de alimentos. A palavra “láctico” lembra produtos lácteos e leite (“láctea” significa relativo a leite), o que levanta questionamentos sobre a origem desse aditivo. No entanto, é importante esclarecer que o ácido láctico em si não é leite nem contém leite – trata-se de um composto orgânico produzido geralmente por fermentação bacteriana de açúcares. Neste relatório, vamos explicar o que é o ácido láctico do ponto de vista químico e tecnológico, suas possíveis origens (animal, vegetal ou microbiana), em quais alimentos ele aparece, se ele costuma ser vegano e como o consumidor vegano pode identificar sua procedência nos produtos industrializados, com referências confiáveis sobre o tema.

O que é o ácido láctico na indústria de alimentos?

O ácido láctico (quimicamente chamado de ácido 2-hidroxipropanoico) é um ácido orgânico de fórmula C_3H_6O_3. Em condições puras é incolor, solúvel em água e de aroma suave. Foi originalmente isolado no leite coalhado, pois é produzido pela fermentação da lactose (açúcar do leite) por bactérias como Streptococcus lactis. Entretanto, esse ácido não se restringe ao leite – ele surge sempre que certas bactérias fermentam carboidratos, seja em alimentos de origem animal ou vegetal. Na natureza e na culinária, o ácido láctico é o responsável pelo sabor azedo característico de alimentos fermentados (como chucrute, picles e iogurtes).

Na indústria alimentícia, o ácido láctico é amplamente utilizado como aditivo conservante e acidulante. Ele atua regulando a acidez (pH) dos alimentos e inibindo micro-organismos indesejados, o que aumenta a durabilidade e a segurança microbiológica dos produtos. Além disso, pode contribuir para o sabor e a textura: por exemplo, em produtos de panificação, o ácido láctico ajuda a equilibrar a fermentação e melhorar a qualidade da massa. Devido a essas propriedades, o ácido láctico (identificado pelo código de aditivo INS 270 ou E270) é considerado um conservante natural e um acidulante suave, encontrado em inúmeras categorias de alimentos industrializados.

Quais são as origens do ácido láctico? (Animal, vegetal, fermentação bacteriana)

O ácido láctico pode ser obtido por diferentes vias, envolvendo tanto matérias-primas animais quanto vegetais, embora o produto final seja quimicamente o mesmo. Historicamente, ele foi associado a fontes animais: o químico Carl Scheele o descobriu em 1780 ao analisar leite azedo, e por muito tempo produziu-se ácido láctico pela fermentação da lactose (açúcar do leite) com bactérias específicas. Essa é a origem do nome “lático” (lac em latim quer dizer leite). Entretanto, hoje existem métodos mais econômicos e éticos de produção.

Fontes vegetais e fermentação microbiana: Atualmente, a maior parte do ácido láctico comercial é produzida via fermentação de carboidratos de origem vegetal. Indústrias utilizam bactérias (geralmente gêneros Lactobacillus e Streptococcus) alimentadas com açúcares vegetais – por exemplo, glicose extraída do amido de milho, da beterraba ou do melaço de cana-de-açúcar. Essas bactérias consomem os açúcares e os convertem em ácido láctico, num processo similar ao que ocorre em vegetais em conserva e massas azedas (fermentação láctica). Esse método de fermentação bacteriana a partir de fontes vegetais produz ácido láctico em grande escala e a baixo custo, sem envolver diretamente ingredientes de origem animal.

Outras rotas de produção: Também é possível sintetizar ácido láctico por vias químicas. Uma rota de laboratório citada é a reação de hidrólise de lactonitrila (derivado de ácido cianídrico e acetaldeído), ou reações envolvendo etanol, ácido sulfúrico e cianeto de sódio. Contudo, no setor alimentício essa rota química é menos comum; a fermentação biotecnológica é preferida por ser renovável e atender a demanda de consumidores por ingredientes “naturais”.

Resumindo as origens: O ácido láctico pode ter origem animal ou vegetal, dependendo da fonte do açúcar fermentado. Se advém da fermentação da lactose do leite, pode-se dizer que teve origem animal; se advém de açúcares vegetais (amido de milho, cana, beterraba etc.), sua origem é vegetal. Em ambos os casos, o ácido é produzido por bactérias através da fermentação. Vale destacar que há muito tempo o setor alimentício passou a obter ácido láctico de materiais vegetais, como o bagaço de cana e o amido de milho, tornando desnecessário usar leite para esse fim.

Ainda se usa ácido láctico de origem animal em alimentos?

Hoje em dia não é comum o uso de ácido láctico derivado diretamente de animais em alimentos industrializados. A imensa maioria do ácido láctico utilizado como aditivo é produzida por fermentação de fontes vegetais. Originalmente ele podia ser extraído do leite fermentado, mas o mais comum atualmente é o ácido láctico de origem vegetal obtido pela fermentação de carboidratos agrícolas. Isso se deve tanto a questões de custo e disponibilidade (fontes vegetais são abundantes e baratas) quanto de conveniência tecnológica.

Alguns fabricantes de ingredientes podem, em teoria, usar subprodutos da indústria leiteira (como o soro de leite rico em lactose) para fermentar e obter ácido láctico. Nesse caso, embora o processo envolva bactérias, a matéria-prima (lactose) veio do leite, o que significa que o aditivo não seria vegano em sua origem. Porém, esse cenário é menos frequente. A maioria dos produtores evita usar lactose porque existem substratos vegetais mais baratos e porque produtos derivados de leite exigem controles de alérgenos nos rótulos. De fato, a grande parte do ácido láctico encontrado no mercado é 100% derivada de fontes vegetais.

Em suma, embora seja possível obter ácido láctico de origem animal, isso não é prática comum na indústria alimentícia atual. O ácido láctico de fontes vegetais e microbianas domina o mercado. Até mesmo alimentos tradicionalmente não veganos, como queijos e embutidos, muitas vezes utilizam ácido láctico produzido industrialmente por fermentação de açúcares vegetais para padronizar sabor e conservar o produto. Ou seja, o emprego de leite diretamente para produzir ácido láctico se tornou raro – ele foi mais relevante no passado, mas hoje praticamente todo ácido láctico adicionado aos alimentos vem de fermentações de plantas ou síntese.

Em que alimentos industrializados o ácido láctico aparece?

Vegetais em conserva (picles variados) produzidos por fermentação láctica. O ácido láctico confere o sabor azedo característico a alimentos fermentados como picles, chucrute e kimchi.

Por seu papel como conservante e acidulante, o ácido láctico está presente em diversos alimentos industrializados, seja formado naturalmente durante a fermentação ou adicionado como ingrediente. Alguns exemplos comuns incluem:

  • Vegetais fermentados ou em conserva: Chucrute (repolho fermentado), kimchi, picles de pepino, azeitonas em salmoura e outras conservas vegetais desenvolvem ácido láctico naturalmente durante a fermentação e muitas vezes recebem ácido láctico adicional para ajustar o sabor azedo e a acidez. Esse ácido inibe bactérias de deterioração, ajudando na preservação desses produtos.

  • Pães e massas fermentadas: Pão de fermentação natural (sourdough) contém ácido láctico gerado pelas bactérias do fermento, responsável pelo sabor ligeiramente ácido. Mesmo em pães industrializados, pode-se adicionar ácido láctico para melhorar a conservação e o sabor. Produtos derivados de massa de pão (como algumas torradas, bolos ou wraps industrializados) às vezes incluem ácido láctico como regulador de acidez.

  • Bebidas fermentadas: Cervejas de trigo e alguns estilos azedos, e vinhos que passam por fermentação malolática, contêm ácido láctico naturalmente. No caso do vinho, o ácido láctico surge quando bactérias transformam o ácido málico em láctico, suavizando a acidez – porém note que muitos vinhos não são veganos por outros motivos (clarificação com gelatina, etc.). Refrigerantes com sabor “fermentado” ou kombuchas também podem conter ácido láctico.

  • Laticínios fermentados (não veganos): Iogurtes, coalhadas, kefir e queijos curados desenvolvem ácido láctico a partir da fermentação do leite. Esses alimentos obviamente não são consumidos por veganos, mas explicam a presença natural do ácido láctico em produtos de origem animal fermentados.

  • Carnes curadas e embutidos (não veganos): Salames, linguiças curadas e outros embutidos fermentados possuem ácido láctico produzido por bactérias adicionadas na cura da carne, contribuindo para o sabor e preservação. (Novamente, não é algo que veganos consumam, mas ilustra onde o ácido aparece).

  • Molhos, condimentos e conservas diversas: Molhos para salada, maioneses industrializadas, ketchups e alguns patês vegetais podem conter ácido láctico para ajustar a acidez e atuar como conservante leve. Da mesma forma, ele pode estar em molhos à base de soja fermentada (shoyu, missô) e em conservas de legumes caseiros ou industriais.

  • Doces, geleias e produtos de confeitaria: Sorvetes veganos, cremes, recheios, compotas e geleias podem usar ácido láctico para realçar o sabor (equilibrando a doçura com um toque ácido) e para impedir crescimento de fungos durante o armazenamento. Chocolates e balas também podem listar ácido láctico como acidulante.

  • Outros alimentos processados: Snacks salgados (salgadinhos de milho, batata chips sabor sal e vinagre, etc.) frequentemente usam ácido láctico em pó para dar uma nota azedinha e reforçar a conservação. Produtos como sorvetes, sucos artificiais em pó, refrigerantes, cervejas e queijos processados são citados pela indústria como exemplos onde o ácido láctico pode aparecer como aditivo.

Em suma, o ácido láctico está presente tanto em alimentos naturalmente fermentados quanto em uma variedade de produtos alimentícios embalados. Se você ler no rótulo ingredientes como “acidulante INS 270” ou “ácido lático”, é essa substância a que se refere. A sua função principal será prolongar a vida útil, controlar o pH e contribuir com sabor suave azedo nos alimentos.

O ácido láctico desses alimentos geralmente é considerado vegano?

A boa notícia para os veganos é que, na maioria dos casos, o ácido láctico usado em alimentos é vegano em termos de origem e processo. Isso porque, conforme explicado, ele provém principalmente da fermentação de vegetais, cereais ou legumes – ou seja, não envolve matéria-prima animal. Diversas fontes confirmam que a maior parte do ácido láctico disponível no mercado é compatível com dietas veganas, já que deriva de plantas (milho, beterraba, cana, etc.) ou de processos sintéticos que não utilizam insumos de origem animal.

É importante destacar que, quimicamente, o ácido láctico obtido de diferentes origens é idêntico. Portanto, um ácido láctico produzido via fermentação de açúcar de beterraba não contém nenhum traço de leite ou de tecido animal – é a mesma molécula de ácido carboxílico, apenas produzida por outra rota. Inclusive, mesmo quando se usa lactose do leite para fermentação, o processo consome completamente o açúcar e o ácido láctico resultante não carrega moléculas animais detectáveis. Porém, no contexto do veganismo, o critério vai além da composição final: se um ingrediente foi obtido explorando-se matéria-prima animal (ex.: leite), ele não é considerado ético/vegano, mesmo que o produto final seja idêntico ao de origem vegetal.

Felizmente, situações em que o ácido láctico tenha origem animal são incomuns e tendem a não afetar alimentos veganos. Os casos de ácido láctico “não vegano” geralmente ocorrem em produtos de origem animal fermentados – por exemplo, queijo, iogurte ou carnes curadas, nos quais a própria matéria-prima já é animal. Esses alimentos já são evitados pelo público vegano, então não chega a ser uma preocupação adicional com o aditivo em si. Já em alimentos de origem vegetal, espera-se que o ácido láctico utilizado seja de origem vegetal também. Empresas fabricantes de aditivos indicam que obtêm seus produtos de fontes vegetais – por exemplo, um fornecedor descreve seu ácido láctico em pó como “de primeira qualidade apto para veganos, elaborado com açúcar de cana ou de beterraba”. De modo geral, pode-se afirmar que o ácido láctico presente em alimentos industrializados é normalmente vegano, e a presença do nome “ácido láctico” no rótulo não deve ser automaticamente motivo de alarme.

Dito isso, algumas ressalvas: nem todo ácido láctico no mundo é garantidamente vegano. Em alguns países ou aplicações específicas, pode ocorrer o uso de lactose do soro de leite para produzir ácido láctico por fermentação. Além disso, no passado era comum obter ácido láctico de fontes lácteas, e não há uma obrigação legal de declarar a origem vegetal ou animal do aditivo no rótulo. Assim, uma pessoa extremamente rigorosa pode ter uma dúvida residual ao ver “ácido láctico” nos ingredientes. No próximo tópico, abordamos como tirar essa dúvida.

Como um vegano pode identificar a origem do ácido láctico em um produto?

Não é trivial para o consumidor determinar apenas pelo rótulo se o ácido láctico de um produto específico veio de fonte animal ou vegetal, pois a embalagem normalmente não informa a origem do aditivo. Contudo, existem algumas dicas e medidas que os veganos podem adotar para se certificar:

  • Verifique se o produto é certificado ou rotulado como vegano: Muitos alimentos trazem selos ou indicações “Vegano” ou “Suitable for vegans”. No Brasil, por exemplo, existe o Selo Vegano da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira). Se o produto possui essa certificação, significa que todos os ingredientes e processos foram auditados para assegurar ausência de insumos de origem animal. Logo, o ácido láctico ali contido foi obtido de forma não animal. Buscar esses selos ou descrições é uma forma prática de ter confiança.

  • Leia a lista de ingredientes por completo: Observe se além do ácido láctico há outros componentes de possível origem animal. Se o produto contiver leite, lactose ou derivados, já não seria vegano de qualquer forma. Mas se o único termo potencialmente suspeito for o ácido láctico e todos os demais ingredientes forem de origem vegetal, é bem provável que o ácido láctico seja de fermentação vegetal também. Fabricantes geralmente não “contaminam” um produto vegetal com um único aditivo derivado de leite, até por questões de alérgenos. Além disso, se o ácido láctico tivesse sido produzido a partir de lactose, o produto final poderia conter traços de lactose – nesse caso, no Brasil, a empresa seria obrigada a informar “contém lactose” no rótulo devido à legislação de alergênicos. A ausência dessa indicação sugere fortemente que a lactose não foi usada no processo.

  • Entre em contato com o fabricante: Esta é a forma mais garantida de saber. Você pode usar os canais de atendimento (SAC) para perguntar diretamente: “O ácido láctico utilizado neste produto é de origem vegetal (fermentação de açúcares vegetais) ou teve origem em derivados do leite?”. Muitas empresas responderão abertamente. Fontes recomendam essa abordagem para ter certeza absoluta, pois alguns fabricantes podem eventualmente usar fontes animais para produzir ácido láctico sintético e só o produtor pode confirmar. Caso a informação não esteja imediatamente disponível, insistir na transparência é um direito do consumidor.

  • Prefira marcas confiáveis e pesquisas comunitárias: Marcas explicitamente veganas, ou que tenham política clara sobre ingredientes, são menos propensas a usar qualquer derivado animal oculto. Além disso, a comunidade vegana frequentemente compartilha informações online (em fóruns, redes sociais) sobre ingredientes específicos de determinados produtos. Por exemplo, sites e aplicativos que listam aditivos alimentares veganos indicam o ácido láctico (E270) como geralmente “apto para veganos”, mas com a nota de que pode ser produzido de lactose. Consultar essas fontes pode ajudar a direcionar a investigação.

Em resumo, na maioria das vezes o ácido láctico será de origem vegetal, especialmente se o produto se diz vegano ou não contém nada de leite. Para casos duvidosos, a melhor prática é contactar o fabricante e perguntar diretamente. Vale notar que, conforme citado, muitos fabricantes não rotulam a origem do ácido láctico porque o produto final do aditivo não contém traços animais. Portanto, cabe ao consumidor vigilante buscar essa informação se julgar necessário. Felizmente, são raros os casos em que o ácido láctico seria o único “vilão” escondido – quase sempre, se um alimento é inteiramente vegetal, o ácido láctico dele também será produzido de forma vegetal.

Conclusão

O ácido láctico, apesar do nome que lembra leite, é um aditivo amplamente utilizado e geralmente inofensivo para quem adota o veganismo. Do ponto de vista químico e tecnológico, é um ácido orgânico produzido principalmente pela fermentação de açúcares, empregado como conservante e regulador de acidez em diversos alimentos. Suas origens podem ser variadas, mas atualmente predominam as fontes vegetais e microbiológicas, tornando raro o uso de matéria animal para produzi-lo. Na prática, isso significa que a maioria dos alimentos industrializados contendo ácido láctico são compatíveis com dietas veganas.

Para a comunidade vegana, é importante saber que o ácido láctico em si não é derivado de leite nem representa um “ingrediente animal” quando produzido via fermentação vegetal. Claro, mantêm-se atento aos rótulos – especialmente em produtos não certificados – e usar as estratégias mencionadas para confirmar a origem em caso de dúvida. Mas de modo geral, ao ver “acidulante (ácido lático)” na embalagem de um alimento vegetal, pode-se ter boa confiança de que não há exploração animal envolvida naquele componente. A educação e a transparência são aliadas: conhecendo o processo de fabricação e questionando os produtores quando necessário, os veganos podem tomar decisões informadas e ficar tranquilos em relação a aditivos como o ácido láctico.

Referências selecionadas: Lactic acid – Healthline; eCycle (Ana Nóbrega); Solutech Ingredientes; Vida Veg; WebMD, entre outras. Todas as fontes consultadas convergem que o ácido láctico comercial é majoritariamente obtido de fermentação vegetal e, salvo exceções pontuais, é considerado vegano.

 


Fontes Consultadas

  1. Healthline – Lactic Acid in Food: What to Know

  2. Ecycle – Ácido Láctico: o que é, para que serve e onde é encontrado

  3. Solutech Ingredientes – Ácido Láctico: O que é e para que serve

  4. Vida Veg – Ácido Lático é Vegano?

  5. WebMD – What Is Lactic Acid?

  6. The Vegan Society – Lactic Acid

  7. SciELO Brasil – Ácido láctico e sua aplicação na indústria alimentícia (PDF)

  8. Vegan Friendly UK – Is Lactic Acid Vegan?

  9. Encyclopedia Britannica – Lactic Acid



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