Vitamina A ou Retinol
Relatório: Fontes de Vitamina A (Retinol)
Introdução
A vitamina A refere-se a um grupo de compostos orgânicos lipossolúveis (retinoides), principalmente retinol e seus ésteres (ésteres de retinila). Esses nutrientes são essenciais para diversas funções biológicas, incluindo a visão (componente do pigmento visual rodopsina), o crescimento celular, a integridade do sistema imunológico e o desenvolvimento embrionário normal. No contexto dietético, a vitamina A ocorre em duas formas principais: vitamina A preformada (retinol e ésteres de retinila, já na forma ativa) e pró-vitamina A (carotenoides como beta-caroteno, que podem ser convertidos em retinol pelo organismo). Este relatório apresenta um panorama completo das fontes conhecidas de vitamina A (retinol), categorizando-as quanto à origem animal, vegetal ou mineral (sintética). Serão discutidas as fontes alimentares naturais de vitamina A conforme sua origem, as fontes industriais (utilizadas em suplementos e cosméticos, com ênfase nas rotas de síntese e matérias-primas), e uma classificação comparativa incluindo considerações de biodisponibilidade e uso comum de cada tipo de fonte, com referências de suporte de órgãos oficiais (OMS, FAO, EFSA) e literatura científica.
Fontes Alimentares Naturais de Vitamina A
As fontes alimentares naturais de vitamina A dividem-se em origem animal (onde a vitamina A já se encontra na forma de retinol/retinila, prontamente utilizável pelo organismo) e origem vegetal (que fornecem carotenoides pró-vitamina A, requerendo conversão interna em retinol). A tabela abaixo ilustra exemplos de alimentos ricos em vitamina A e seu conteúdo aproximado (expresso em microgramas de equivalentes de retinol – µg RAE – por porção), categorizados por origem:
Alimento (porção) | Vit. A (µg RAE) | % Valor Diário | Origem |
---|---|---|---|
Fígado bovino, cozido, 85 g (3 oz) | 6.582 | 731% | Animal (retinol) |
Batata-doce média, assada c/ casca (1 unid.) | 1.403 | 156% | Vegetal (β-caroteno) |
Espinafre, cozido, ½ xíc. (congelado) | 573 | 64% | Vegetal (β-caroteno) |
Cenoura crua, ½ xícara (picada) | 459 | 51% | Vegetal (β-caroteno) |
Leite desnatado fortificado, 1 xícara | 149 | 17% | Animal (fortificado) |
Ovo de galinha, cozido, 1 unidade (grande) | 75 | 8% | Animal (retinol) |
Manga, crua, 1 unidade média | 112 | 12% | Vegetal (β-caroteno) |
Fonte dos dados: NIH/ODS, valores por porção padrão. Valor Diário (DV) baseado em 900 µg RAE.
Fontes de Origem Animal (Retinol preformado)
Alimentos de origem animal fornecem vitamina A preformada, principalmente na forma de retinol ou ésteres de retinila (retinol ligado a ácidos graxos). Essas formas não necessitam de conversão e são facilmente absorvidas e utilizadas pelo organismo. As concentrações mais altas de retinol ocorrem em vísceras (especialmente o fígado) de animais, em alguns óleos de peixe, e em menor grau na gema de ovo e em laticínios integrais. Por exemplo, o fígado bovino é notoriamente a fonte alimentar mais rica: uma porção de ~85 g de fígado cozido fornece cerca de 6.500 µg RAE de vitamina A (mais de 700% do valor diário recomendado). Outras vísceras (fígado de frango, porco, peixe) apresentam teor similarmente elevado. Óleo de fígado de peixe (como óleo de fígado de bacalhau) também é uma fonte tradicionalmente reconhecida de retinol, historicamente usada como suplemento contra deficiência de vitamina A.
Além das vísceras, quantidades apreciáveis de vitamina A preformada estão presentes em carnes em geral (embora em níveis bem menores que o fígado), em manteiga e laticínios gordurosos (a vitamina A concentra-se na gordura do leite) e em ovos. Por exemplo, 1 ovo cozido fornece cerca de 75 µg RAE (8% do DV). Vale notar que em muitos países o leite e derivados desnatados recebem adição de vitamina A (retinol) para compensar a remoção da gordura – o que caracteriza uma fonte "animal" fortificada artificialmente. De fato, alimentos fortificados como leites, margarinas enriquecidas, cereais matinais, etc., contribuem de forma significativa para a ingestão de retinol em populações de alta renda. Em resumo, fígado e óleo de peixe representam as fontes naturais animais mais concentradas, enquanto ovos, leite, manteiga, queijo e carnes fornecem doses moderadas de vitamina A preformada na dieta.
Fontes de Origem Vegetal (Pró-vitamina A carotenoides)
Alimentos de origem vegetal não contêm retinol, mas muitos fornecem carotenoides pró-vitamina A, pigmentos vegetais que o organismo pode converter em vitamina A (retinol). Os carotenoides de maior importância nutricional são beta-caroteno, alfa-caroteno e beta-criptoxantina, dos quais o beta-caroteno é o mais abundante e eficaz como precursor do retinol. Fontes vegetais tipicamente reconhecidas pelo alto teor de carotenoides incluem: vegetais folhosos verde-escuros (por ex.: espinafre, couve, brócolis), legumes e tubérculos alaranjados (por ex.: cenoura, batata-doce, abóbora), e frutas de polpa alaranjada ou amarela (por ex.: manga, mamão, damasco, melão cantaloupe). Esses alimentos apresentam coloração intensa devido à presença de carotenoides, especialmente beta-caroteno (pigmento laranja).
Conforme relato da EFSA, “alimentos ricos em β-caroteno incluem vegetais e frutas como batata-doce, cenoura, abóbora, vegetais de folhas verde-escuras, pimentão vermelho doce, manga e melão”. Por exemplo, batata-doce (assada com casca) pode fornecer ~1.400 µg RAE por unidade (156% do DV), enquanto meia xícara de cenoura crua aporta ~460 µg RAE (~51% DV) de vitamina A (na forma de carotenoides). Outros vegetais notáveis são a abóbora e o pimentão vermelho, e entre as frutas destacam-se manga, mamão, abricó (damasco) e melão – todas ricas em beta-caroteno. Um caso de fonte vegetal excepcional é o óleo de palma vermelho (azeite de dendê), utilizado em algumas regiões tropicais, que possui teor extremamente alto de carotenoides ao ponto de apresentar coloração laranja-avermelhada intensa; seu consumo pode melhorar o status de vitamina A em populações com deficiência, sem recorrer a fontes animais. Além disso, folhas de certas plantas nativas (ex.: folhas de mandioca, frutas de palmeiras como buriti) também contribuem com provitamina A em dietas tradicionais.
É importante ressaltar que os carotenoides precisam ser convertidos em retinol pelo organismo após a ingestão. A eficiência dessa conversão é limitada: em média, são necessários cerca de 6 µg de beta-caroteno dietético para gerar 1 µg de retinol ativo (relação 6:1), e ~12 µg de outros carotenoides para 1 µg de retinol. Essa taxa de conversão pode variar conforme o alimento e fatores individuais (estado nutricional, genética, preparação do alimento, presença de gordura na refeição, etc.). De modo geral, a biodisponibilidade dos carotenoides vegetais é menor que a do retinol preformado: estima-se que apenas 10–30% do beta-caroteno ingerido seja absorvido (podendo variar de ~5% até 65% dependendo das condições), enquanto 70–90% do retinol preformado é absorvido eficientemente. Cozinhar e triturar alimentos vegetais com carotenoides, bem como consumi-los com alguma gordura, tende a aumentar sua absorção e conversão em vitamina A.
Apesar da menor eficiência, dietas vegetarianas/veganas bem planejadas podem suprir a vitamina A exclusivamente via carotenoides, desde que incluam rotina e abundância de vegetais e frutas ricos em pró-vitamina A. Ao contrário das fontes animais, não há registro de toxicidade por consumo excessivo de carotenoides de fontes vegetais – o organismo regula a conversão conforme a necessidade, e o excedente pode apenas causar uma coloração alaranjada benigna na pele (carotenodermia), sem efeitos adversos graves. Em suma, fontes vegetais proporcionam uma forma indireta de vitamina A, contribuindo principalmente para as necessidades em populações de dietas baseadas em plantas (especialmente em países de baixa renda, onde os carotenoides representam a maior parte da ingestão de vitamina A).
Fontes Industriais: Suplementos e Cosméticos
Além das fontes naturais provenientes da dieta, a vitamina A (retinol) também é produzida e disponibilizada por meios industriais, tanto para uso nutricional (suplementos alimentares, alimentos fortificados) quanto cosmético/farmacêutico. Nesta seção abordamos as principais fontes industriais de vitamina A, destacando as rotas de síntese química, matérias-primas envolvidas e formas comuns encontradas em produtos.
Suplementos e Alimentos Fortificados: A indústria produz vitamina A sintética em larga escala para uso em suplementos vitamínicos (mono ou polivitamínicos) e para fortificação de alimentos básicos. Existem duas formas principais nos suplementos: a vitamina A preformada sintética (geralmente fornecida como acetato de retinila ou palmitato de retinila) e os carotenoides (principalmente beta-caroteno), que podem ser de origem sintética ou obtidos de fontes naturais concentradas. Em suplementos de vitamina A pura ou óleos em cápsulas, predominam os ésteres de retinol sintético (acetato/palmitato), pois são formas mais estáveis do que o retinol livre. Já em multivitamínicos, uma parcela da vitamina A frequentemente vem na forma de β-caroteno, devido à sua segurança (o beta-caroteno tem menor risco de toxicidade acumulativa que o retinol). Adicionalmente, muitos alimentos fortificados recebem vitamina A industrial: por exemplo, é comum a adição de palmitato de retinila em leite desnatado, formulações infantis, margarinas, cereais matinais, farinha ou arroz fortificado, entre outros. A fortificação de alimentos básicos com vitamina A é uma estratégia de saúde pública recomendada pela OMS para combater a deficiência em populações vulneráveis; já foram implementados programas de fortificar óleo comestível, açúcar, grãos e leite com retinil palmitato ou acetato em vários países.
Rotas de Síntese e Matérias-Primas: A vitamina A (retinol) utilizada industrialmente é obtida predominantemente por síntese química total, a partir de precursores orgânicos simples. Historicamente, o primeiro processo industrial de síntese do retinol foi desenvolvido pela Hoffmann-La Roche em 1947, pouco depois da elucidação estrutural da vitamina A. Atualmente, os dois maiores produtores mundiais – DSM (que incorporou a divisão vitamínica da Roche) e BASF – empregam métodos de síntese totalmente químicos para produzir retinol em larga escala. Beta-ionona (um composto terpenoide de 13 carbonos, com anel de ionona), sintetizado a partir de acetona e outros reagentes petroquímicos, é o ponto de partida essencial em todas as rotas industriais conhecidas. A partir do β-ionona, o restante da cadeia insaturada de 20 carbonos do retinol é construída por meio de reações de condensação C8+C12 que alongam a cadeia lateral, garantindo a formação dos duplos ligamentos conjugados corretos. Duas abordagens clássicas incluem: o método desenvolvido pela BASF (baseado em uma reação de Wittig ou similar) e o método da Roche (baseado em reação de Grignard), ambos levando à síntese total do all-trans-retinol. Essas rotas sintéticas exigem controle rigoroso da estereoisomeria (o retinol possui 5 centros de isomeria geométrica possíveis e apenas o isômero todo-trans possui atividade vitamínica plena). Ao final da síntese, normalmente obtém-se retinol na forma de acetato de retinila (vitamina A acetato) ou outra forma esterificada, que é mais estável para armazenamento. O retinol puro é altamente suscetível à oxidação e degradação (sensível ao oxigênio, luz e calor), por isso ele é manuseado sob atmosfera inerte e baixa temperatura, e frequentemente estabilizado na forma de ésteres (p. ex. acetato ou palmitato) para incorporação em premixes de ração, cápsulas e alimentos.
Do ponto de vista de matérias-primas, a síntese de vitamina A é considerada de origem “mineral” ou petroquímica, já que parte de insumos não biológicos (como acetona, butanol, ou precursores obtidos do petróleo). Entretanto, vale mencionar que também existem processos biotecnológicos para produzir precursores ou análogos da vitamina A: por exemplo, a produção industrial de β-caroteno por fermentação do fungo Blakeslea trispora é empregada comercialmente para obter caroteno “natural” em larga escala. O β-caroteno de fermentação por B. trispora foi o primeiro corante alimentar microbiano aprovado na UE (código E160a(ii)), sendo utilizado tanto como corante quanto como fonte de pró-vitamina A em suplementos “naturais”. De modo semelhante, algumas empresas extraem β-caroteno de algas (por ex. Dunaliella salina) cultivadas em tanques, ou produzem retinol via engenharia de leveduras, embora a maior parte do mercado ainda seja suprida pela síntese química tradicional devido a custos mais baixos.
Uso em Cosméticos e Farmacêuticos: Na indústria cosmética e farmacêutica, derivados da vitamina A (retinoides) são ingredientes importantes. Retinol sintético de alta pureza é utilizado em formulações dermocosméticas (cremes anti-idade, séruns faciais) devido à sua capacidade de estimular a renovação celular e a síntese de colágeno na pele. Contudo, o retinol em cosméticos costuma ser empregado em concentrações baixas e em embalagens opacas, dada sua instabilidade à luz e ao ar. Formas esterificadas como palmitato de retinila também são frequentes em cosméticos – embora menos potentes biologicamente, são mais estáveis e vão se convertendo em retinol ativo após absorção cutânea. Assim, retinil palmitato é um aditivo comum não só em suplementos, mas também em cremes hidratantes e produtos “antienvelhecimento”, onde atua como antioxidante e precursor de retinol. Já no âmbito farmacêutico, o derivado oxidado ácido retinoico (tretinoína) é usado topicamente para tratar acne e fotoenvelhecimento, e é obtido por síntese química a partir do retinol ou de intermediários relacionados. Em resumo, a vitamina A e seus derivados empregados em cosméticos e medicamentos atualmente provêm de síntese industrial – garantindo alta pureza e padronização de dosagem.
Classificação por Origem, Biodisponibilidade e Uso Comum
Podemos resumir as principais fontes de vitamina A de acordo com sua origem (animal, vegetal ou mineral/sintética), destacando as formas de vitamina A fornecidas, a biodisponibilidade relativa e usos característicos de cada categoria. A tabela a seguir apresenta essa comparação:
Origem da Fonte | Exemplos de Fontes | Forma de Vitamina A | Biodisponibilidade e Observações |
---|---|---|---|
Animal (preformada) | Fígado, óleo de fígado de peixes, ovos, leite integral, manteiga, carnes 🟊 | Retinol e ésteres de retinila (vit. A ativa) | Alta biodisponibilidade (≈70–90% de absorção). Fornece retinol pronto para uso pelo organismo, sem necessidade de conversão. Excessos podem acarretar hipervitaminose A (toxicidade), portanto há limite superior de segurança. Fontes animais (especialmente fígado) contribuíram para casos clássicos de toxicidade por excesso (ex.: consumo de fígado de urso polar). Uso comum: dietas onívoras, suplementos de óleo de fígado de bacalhau. 🟊 Vísceras (fígado) são as mais ricas; ovos/laticínios têm teor moderado. |
Vegetal (pró-vitamina) | Cenoura, batata-doce, abóbora, espinafre, couve, manga, mamão, etc. | Carotenoides pró-vitamínicos (β-caroteno, α-caroteno, β-criptoxantina) | Biodisponibilidade variável e menor (≈10–30% absorção típica, podendo variar 5–65%). Necessita conversão enzimática a retinol (eficiência ~6:1 para β-caroteno). Conversão limitada pelo status de vitamina A (feedback negativo se reservas hepáticas estiverem adequadas). Seguro – excesso de carotenoides não causa toxicidade sistêmica, no máximo carotenodermia (pigmentação amarela da pele). Uso comum: dietas baseadas em plantas; essenciais para prevenir deficiência em populações com baixo consumo de alimentos de origem animal. |
Mineral/Sintética | Vitamina A sintética (retinol e ésteres, p.ex. acetato/palmitato de retinila); beta-caroteno de síntese química ou de fermentação microbiana (B. trispora, algas) | Retinol idêntico ao animal (geral/ésteres) ou carotenoides isolados | Biodisponibilidade alta nas formas de retinol preformado sintético (semelhante à origem animal). Permite formulações de dosagem precisa (suplementos, fortificação de alimentos). Matéria-prima originada de fonte inorgânica (petroquímica) – β-ionona de síntese é o precursor chave. Uso comum: suplementos vitamínicos (acetato/palmitato de retinila), alimentos fortificados (leite, cereais, óleos, etc.), rações animais (a maior parte da vitamina A industrial – ~87% – é destinada à nutrição animal). Também empregada em cosméticos e produtos dermatológicos (retinol, retinil palmitato sintéticos). Requer os mesmos cuidados de segurança do retinol natural quanto a doses máximas, devido ao risco de hipervitaminose em caso de excesso prolongado. |
Nota: Não existem “fontes minerais” naturais de vitamina A, já que esta vitamina é produzida biologicamente (por plantas, algas ou animais). A expressão origem mineral é utilizada aqui para designar fontes não biológicas obtidas por síntese química industrial a partir de insumos inorgânicos ou petroquímicos. Assim, vitamina A sintética e carotenoides produzidos por via biotecnológica se enquadram nessa categoria de origem industrial.
Referências
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Office of Dietary Supplements, NIH – Vitamin A Fact Sheet for Health Professionals
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EFSA – Scientific Opinion on Dietary Reference Values for Vitamin A (2015)
-
Organização Mundial da Saúde (OMS) – Fortificação de Alimentos com Vitamina A
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Semba, R.D. et al. (2016). Development of the industrial synthesis of vitamin A. Tetrahedron, 72(13): 1645–52.
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Koutsoumanis, K. et al., EFSA Journal 2023; Tolerable Upper Intake Level for Vitamin A (resumo executivo).
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PubChem – Retinol (CID 445354): Visão geral de ocorrência em alimentos (egg yolk, dairy fat, etc.).
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