Caseína, Sódio Caseinado (Casein. Cas einate. Sodium Caseinate.)
Caseína e Caseinato de Sódio: Fontes, Origem e Usos Industriais
Introdução
A caseína é a principal proteína encontrada no leite de vaca (e de outros mamíferos ruminantes), representando cerca de 80% das proteínas do leite bovino. Trata-se de uma fosfoproteína de alto valor nutricional, amplamente consumida na dieta humana via laticínios e também popular como suplemento proteico entre atletas devido à sua digestão lenta e contribuição para a hipertrofia muscular. Já o caseinato de sódio (ou caseína sódica) é um derivado da caseína – basicamente a forma salina (sódica) dessa proteína – obtido tratando-se a caseína com base (por exemplo, hidróxido de sódio) para torná-la solúvel em água, seguida de secagem até obter um pó branco estável.
Este relatório apresenta uma visão ampla sobre as fontes conhecidas de caseína e caseinato de sódio, especificando suas origens (animal, vegetal ou mineral), e discute os principais usos desses compostos em diversas indústrias – da alimentícia à farmacêutica e cosmética, entre outras. Também são destacadas as fontes alternativas emergentes, como iniciativas de origem vegetal e biotecnológica, visando produzir caseína sem utilização de animais.
Origem e Fontes da Caseína e do Caseinato de Sódio
Caseína: A caseína possui origem animal, sendo encontrada exclusivamente no leite de mamíferos. Não há fontes naturais de caseína em vegetais ou minerais – ela é uma proteína inerente ao leite de vaca, cabra, ovelha, etc. (no leite bovino fresco, por exemplo, é a fração proteica majoritária). Em termos estruturais, as moléculas de caseína no leite organizam-se em micelas coloidais, juntamente com íons cálcio e fosfato, o que lhes confere propriedades funcionais únicas. Por ser um derivado direto do leite animal, qualquer ingrediente rotulado como caseína ou caseinato é considerado de origem animal. Isso é importante em contextos de alergênicos e rotulagem para vegetarianos/veganos: classificações técnicas indicam “(A)” para caseína e caseinatos, denotando origem Animal. Em suma, a caseína é um insumo de fonte animal, não sendo produzida naturalmente por plantas ou extraída de fontes minerais.
Caseinato de Sódio: O caseinato de sódio é obtido a partir da caseína do leite. Industrialmente, produz-se dissolvendo a caseína láctea em uma solução alcalina (por exemplo, com hidróxido de sódio) e então secando o resultado, formando um pó fino branco. Esse processo converte a caseína em sua forma salina, tornando-a altamente solúvel em água e com excelente estabilidade funcional. Portanto, a origem do caseinato de sódio é indiretamente animal, já que depende da caseína do leite como matéria-prima. Não se trata de um composto extraído de fonte vegetal ou mineral, mas sim de um derivado lácteo processado. Assim como outros caseinatos (por exemplo, caseinato de cálcio ou potássio), ele é categorizado como ingrediente de origem animal. Vale notar que não existe “caseína vegetal” na natureza – eventuais produtos chamados assim referem-se a alternativas ou análogos obtidos por outros meios, discutidos adiante.
Principais Usos na Indústria Alimentícia
Na indústria de alimentos, caseína e caseinatos desempenham papéis importantes graças às suas propriedades tecnológicas. A caseína propriamente dita é fundamental na fabricação de laticínios tradicionais: na produção de queijos, a coagulação da caseína (induzida por enzimas coagulantes, como o coalho) forma a coalhada que dará origem ao queijo. Já na fabricação de iogurtes, a caseína participa na formação e estabilidade do gel, interagindo com as proteínas do soro após a fermentação. Ou seja, as proteínas de caseína são responsáveis pela textura característica de muitos produtos lácteos.
Para além dos laticínios convencionais, o caseinato de sódio é amplamente utilizado como aditivo em diversos alimentos processados. Por ser uma proteína anfifílica (com partes hidrofílicas e hidrofóbicas), ele atua como emulsificante e estabilizante, melhorando a consistência e a textura de muitos produtos. Aplicações típicas incluem: cremes (como cremes de café, inclusive os não lácteos), molhos e caldas, “cremes análogos” (substitutos de creme de leite), temperos e caldos, produtos cárneos processados (embutidos, patês) e confeitaria (sorvetes, sobremesas). Nesses itens, o caseinato ajuda a conferir estabilidade às emulsões e retenção de água, melhorando palatabilidade e shelf-life. Curiosamente, a caseína aparece até mesmo em alimentos vendidos como “não lácteos”: por exemplo, em alguns queijos veganos à base de soja ou cremes vegetais formulados, pode-se adicionar caseinato para replicar derretimento e elasticidade similares ao queijo de leite. Entretanto, produtos assim não são adequados a veganos estritos, pois o caseinato continua sendo um derivado do leite.
Outro uso relevante é em suplementos alimentares e nutricionais. A caseína, devido ao seu perfil de aminoácidos e digestão lenta, é comercializada como suplemento proteico (em pó) para atletas e praticantes de musculação, visando recuperação muscular e manutenção da massa magra. Fórmulas de nutrição esportiva frequentemente contêm caseinato de cálcio ou caseína micelar, fornecendo proteína de liberação gradual. Também em fórmulas infantis (substitutos do leite materno) e nutrição clínica (suplementos para pacientes), caseinatos podem aparecer como fonte proteica de alta qualidade, dada sua boa solubilidade e estabilidade térmica. Em resumo, na esfera alimentícia a caseína e seus caseinatos atuam tanto como base de produtos lácteos tradicionais quanto como ingredientes funcionais em alimentos processados e dietéticos, valorizados por suas propriedades emulsificantes, espessantes e nutricionais.
Usos na Indústria Farmacêutica
Na indústria farmacêutica, o caseinato de sódio encontra aplicações como excipiente em formas sólidas orais. Devido à sua natureza adesiva e formadora de filme, ele pode atuar como aglutinante (binder) em comprimidos e cápsulas, ajudando a manter os ingredientes comprimidos coesos. Além disso, a capacidade de formar matrizes gélidas permite que seja utilizado para liberação controlada de fármacos, prolongando a liberação de um princípio ativo no organismo. Essa propriedade tem sido explorada em formulações de medicamentos de liberação prolongada.
A caseína (e derivados como caseinatos) também é incorporada em fórmulas nutricionais especiais e suplementos nutracêuticos usados na área da saúde. Por exemplo, fórmulas enterais ou suplementos dietéticos para pacientes podem conter caseinato de sódio como fonte de proteína de alta qualidade e estável, contribuindo para a eficácia e estabilidade do produto. Em medicamentos e produtos nutracêuticos, a caseína pode servir como estabilizante ou veículo de nutrientes. Vale notar que pesquisas têm investigado o uso de nanopartículas de caseína micelar como carreadores de fármacos, aproveitando a estrutura natural da micela de caseína para encapsular e transportar substâncias ativas de maneira protegida. Assim, embora menos visível ao consumidor final, a caseína marca presença no setor farmacêutico tanto em aplicações tradicionais (excipientes em comprimidos, suplementos proteicos) quanto em inovações em entrega de medicamentos.
Usos na Indústria Cosmética
No ramo cosmético, proteínas do leite como a caseína são valorizadas por seus efeitos benéficos à pele e aos cabelos. O caseinato de sódio é incorporado em produtos como cremes hidratantes, loções corporais e condicionadores capilares, atuando como agente hidratante e formador de filme protetor sobre pele e fios. Por ser rico em aminoácidos, ele ajuda a reter água e conferir maciez, melhorando a textura das formulações cosméticas. A caseína também aparece em produtos de tratamento capilar (como máscaras de proteína para cabelos) e em máscaras faciais de beleza, onde pode fortalecer a fibra capilar ou fornecer nutrientes à pele.
Outra vantagem apontada é que o caseinato é considerado um ingrediente seguro e bem tolerado pela pele, por se tratar de uma proteína natural. Cosméticos que destacam “proteína do leite” em sua composição geralmente estão se referindo à caseína (ou hidrolisados dela), empregada para conferir propriedades nutritivas e condicionantes. Em síntese, na cosmética a caseína atua como um aditivo funcional que melhora a hidratação, a viscosidade e as propriedades sensoriais de cremes e shampoos, alinhando-se à tendência de ingredientes de origem natural em cuidados pessoais.
Outros Usos Industriais
Para além dos alimentos, fármacos e cosméticos, a caseína possui uma larga história de aplicações industriais graças ao seu caráter polimérico e propriedades adesivas. Adesivos à base de caseína (conhecidos como cola de caseína) foram amplamente utilizados na carpintaria e na colagem de papéis: colas formuladas com caseína e cal apresentam boa resistência à umidade e foram empregadas para colar madeira (por exemplo, em móveis). Na indústria de papel e embalagens, a caseína serviu como ligante em revestimentos de papel especial – papéis de impressão e arte receberam tratamentos com caseína pigmentada para obter superfícies adequadas à impressão de alta qualidade.
Em tintas, a caseína foi (e ainda é) usada como base para tintas tempera e tintas emulsão. Tintas caseínicas proporcionam acabamento fosco e boa aderência, sendo aplicadas tanto em pintura artística (clássicos como a têmpera em obras de arte) quanto em pinturas de paredes interiores, antes do advento das tintas sintéticas modernas. De maneira similar, a caseína atuou como emulsificante em tintas a óleo emulsificadas em água.
Outro campo notável é a fabricação de plásticos e fibras têxteis. A caseína precipitada (por exemplo, caseína do tipo “rennet”) pode ser moldada em objetos plásticos duros quando misturada com agentes endurecedores. No início do século XX, desenvolveram-se plásticos de caseína – o galalite (ou galalith) – que, ao serem polimerizados com formaldeído, resultavam em materiais duros usados para fabricar botões, pentes e itens decorativos, com aparência similar a marfim ou baquelite. Igualmente, foram produzidas fibras têxteis artificiais a partir de caseína: extrudando-se caseína solubilizada através de filieras (semelhante ao rayon) e tratando em banho ácido, obtinha-se uma fibra que imita lã (conhecida como Lanital na Itália ou Aralac nos EUA nos anos 1930). Essas fibras de caseína chegaram a ser usadas durante a Segunda Guerra Mundial como substitutas da lã.
Por fim, incluem-se usos menores como na indústria de couros (a caseína pode ser empregada no acabamento e lustro de couros), em polidores de sapato e móveis, em formulações de inseticidas e até na fabricação de certos sabões e detergentes, onde age como coloide protetor ou agente ligante. Em suma, a versatilidade da caseína torna-a útil em inúmeros setores, desde que se descubra como aproveitar suas características de cola proteica natural, seja para unir materiais, revestir superfícies ou criar bioplásticos.
Fontes Alternativas e Inovações
Dado que a caseína tradicionalmente provém do leite animal, nos últimos anos têm ganhado força pesquisas e empreendimentos buscando fontes alternativas (não animais) para produzir caseína ou sucedâneos com funcionalidade similar. Esse movimento é impulsionado por demandas por produtos veganos, sustentabilidade ambiental e novas oportunidades tecnológicas. As principais frentes de inovação incluem abordagens biotecnológicas e o uso de matérias-primas vegetais:
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Fermentação de precisão (biotecnologia): Trata-se de utilizar micro-organismos (como leveduras ou bactérias) geneticamente modificados para fabricar as proteínas do leite em biorreatores, sem envolver vacas. Nessa abordagem, genes da caseína bovina são inseridos nos microrganismos, que então sintetizam caseínas idênticas às de origem animal. Várias startups nos EUA e Europa já demonstraram progresso notável nessa área – por exemplo, a empresa New Culture (EUA) conseguiu produzir caseína via fermentação e a empregou em uma mussarela “sem leite”, obtendo aprovação regulatória GRAS (sigla em inglês para “geralmente reconhecido como seguro”) para comercialização desse queijo nos EUA. Também na Europa, parcerias entre empresas de biotecnologia e laticínios tradicionais (como a Fooditive na Holanda em colaboração com uma grande fabricante) anunciaram a primeira produção de caseína vegana em escala industrial utilizando fermentação de precisão. A fermentação de precisão oferece a vantagem de gerar caseína verdadeira (mesma estrutura da animal) em tanques controlados, eliminando a necessidade de criação de gado e possibilitando um suprimento mais sustentável e livre de hormônios ou antibióticos.
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Agricultura molecular (plantas biofábricas): Outra via biotecnológica em desenvolvimento é o uso de plantas geneticamente modificadas para produzirem caseína em seus tecidos. Pesquisas exploram inserir genes de caseína em plantas como soja, batata ou até em folhas de tabaco, de modo que a planta passe a sintetizar a proteína de interesse em suas sementes ou folhas. Essas plantas atuariam como “biorreatores vegetais”, acumulando caseína que depois pode ser extraída. A promessa dessa técnica é aproveitar a escala da agricultura para produzir proteínas lácteas sem usar animais, potencialmente com custo menor que a fermentação em tanque, embora existam desafios de eficiência e regulação. Startups em Israel e outros países já estão experimentando com sucesso inicial nesse campo.
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Misturas proteicas vegetais (análogos funcionales): Paralelamente à produção da caseína autêntica via bioengenharia, há esforços para criar alternativas 100% vegetais que reproduzam as funções da caseína nos alimentos. Em 2023, por exemplo, a Climax Foods anunciou a primeira “caseína” à base de plantas do mundo, desenvolvida através de análise de dados e inteligência artificial para combinar proteínas de certas sementes que juntas imitam a funcionalidade da caseína láctea. Esse ingrediente vegetal consegue proporcionar a textura, derretimento e elasticidade típicos do queijo feito com leite, porém sem nenhuma proteína animal envolvida. Diferentemente da fermentação, aqui utiliza-se proteínas já existentes em leguminosas, cereais ou outras fontes vegetais, em proporções e tratamentos específicos, para obter desempenho análogo ao da caseína. Tais inovações permitiram o lançamento de queijos veganos avançados, capazes de derreter e esticar quase como os tradicionais – algo antes difícil de alcançar sem a verdadeira caseína do leite.
Em resumo, fontes alternativas de caseína estão emergindo via biotecnologia moderna (produção de caseína idêntica sem origem animal) e via pesquisa de novos ingredientes vegetais (para substituir funcionalmente a caseína). Embora ainda em estágio de expansão, essas tecnologias sinalizam que em breve poderemos ter caseinatos “vegano-friendly” no mercado, produzidos sem uso de leite de vaca. Grandes investimentos vêm sendo feitos globalmente – da América do Norte à Europa, Ásia e Oceania – para viabilizar a caseína alternativa em escala comercial. Isso poderá revolucionar indústrias como a de alimentos plant-based, permitindo produtos como queijos, iogurtes e sorvetes 100% livres de ingredientes animais, mas com a mesma qualidade de textura e sabor dos lácteos tradicionais.
Conclusão
Caseína e caseinato de sódio destacam-se como ingredientes polivalentes de origem animal, encontrados principalmente no leite, que a indústria aproveita de diversas formas: desde a fabricação de queijos e iogurtes, passando pela melhoria de alimentos processados e suplementos nutricionais, até aplicações em fármacos, cosméticos e materiais (adesivos, tintas, plásticos biodegradáveis). Sua origem predominantemente animal vem, contudo, sendo repensada frente às demandas por sustentabilidade e opções veganas. As pesquisas recentes em biotecnologia e fontes vegetais indicam que alternativas sem origem animal para a caseína estão a caminho, algumas já alcançando viabilidade comercial. No futuro, é provável que a indústria conte com caseína “animal-free” produzida em laboratório ou derivada de plantas, ampliando as possibilidades de uso desse valioso composto proteico sem os desafios éticos e ambientais associados à pecuária. Em qualquer de suas formas, a caseína permanece um insumo de grande relevância industrial, unindo ciência dos alimentos e inovação tecnológica em prol de produtos de melhor performance e sustentabilidade.
Referências:
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MilkPoint. “A versatilidade da caseína” – Artigo técnico sobre aplicações da caseína na indústria de alimentos.
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Mapa Veg (Guia de Ingredientes). Entrada "Caseína. Caseinatos..." – Classificação da caseína/caseinatos como origem animal e usos típicos.
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Agrocomplex (Blog Técnico). “¿Dónde se utiliza el caseinato de sodio?” – Explicação das aplicações do caseinato de sódio em alimentos, fármacos e cosméticos.
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Britannica Encyclopedia. “Casein” – Definição, propriedades e usos da caseína em alimentos, cosméticos e aplicações industriais diversas.
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ICL Food Specialties. Boletim Técnico. – Propriedades funcionais dos caseinatos e suas aplicações em cremes, molhos, carnes etc..
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Vegan Business (Notícia). “Pureture acelera produção de caseína vegetal…” – Atualidades sobre caseína alternativa via fermentação e agricultura molecular, incluindo feitos da New Culture e Fooditive.
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Vegan Business (Notícia). “Climax Foods lança a primeira caseína vegetal do mundo” – Inovação em caseína à base de plantas imitando caseína do leite.
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