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Goma Laca (Shellac. Resinous Glaze.)

Goma-laca (Shellac) – Composição, Origens, Usos Industriais e Aspectos Veganos

O que é goma-laca (Shellac)

A goma-laca (conhecida em inglês como shellac, às vezes listada como Resinous Glaze ou “glaceante resinoso”) é uma resina natural secretada por insetos. Trata-se especificamente da secreção endurecida da fêmea do inseto Kerria lacca (popularmente chamado de “lac bug”), um pequeno besouro encontrado nas florestas da Índia e Tailândia. Quimicamente, essa resina é composta principalmente por ácidos orgânicos (especialmente ácido aleurítico, jalarico e shellólico) e também contém ceras naturais. Uma característica importante da goma-laca é que, ao ser aplicada e seca, forma uma película dura, resistente, flexível e de alto brilho sobre superfícies. Além disso, é solúvel em álcool (insolúvel em água) e seca rapidamente, o que historicamente facilitou seu uso como verniz e lacre natural. Devido a essas propriedades (é durável, adesiva e termoplástica), a goma-laca foi amplamente empregada como acabamento e verniz protetor muito antes do advento dos polímeros sintéticos.

Origens e produção da goma-laca

A goma-laca tem origem animal, sendo produzida por insetos – não é um produto de origem vegetal ou mineral. A fêmea do inseto Kerria lacca secreta essa resina para formar túneis protetores em galhos de certas árvores, envolvendo seus ovos e larvas. Para a produção comercial, esses depósitos resinosos (chamados de sticklac) são raspados dos galhos, o que inevitavelmente remove também muitos dos insetos aderidos. O material bruto é então processado: triturado, aquecido e derretido, depois filtrado/centrifugado para remover impurezas como pedaços de casca e os próprios insetos, e por fim a resina purificada é seca formando flocos sólidos de goma-laca. Esses flocos podem ser novamente dissolvidos (tipicamente em álcool) para uso industrial. Estimativas indicam que o rendimento é baixo: cerca de 100 mil insetos podem ser necessários para se obter aproximadamente 0,5 kg de goma-laca pronta. Os principais produtores mundiais são a Índia e a Tailândia, de cujas florestas se extrai a maior parte da goma-laca disponível no mercado.

Usos industriais da goma-laca

Devido à sua versatilidade, a goma-laca é empregada como insumo em diversas indústrias, atuando ora como ingrediente, ora como revestimento protetor ou acabamento. A seguir, destacamos os principais setores e aplicações:

  • Indústria alimentícia: A goma-laca é muito usada como glaceante (agente de brilho) em alimentos. Ela fornece aquele acabamento brilhante em balas, confeitos, chocolates drageados e outros doces, sendo conhecida como “confectioner’s glaze” ou simplesmente resina de goma-laca nas listas de ingredientes. Também é aplicada como cera comestível no revestimento de frutas frescas (por exemplo, maçãs e frutas cítricas) para melhorar a aparência e prolongar a conservação, reduzindo perda de água e mantendo o frescor por mais tempo. Em padarias e confeitaria, pode aparecer em coberturas de bolos e confeitos para dar brilho (daí o termo resinous glaze, glaceante resinoso). No contexto de aditivos alimentares, a goma-laca é identificada pelo código E904.

  • Cosméticos e cuidados pessoais: Devido ao seu poder filmogênico (forma filmes resistentes), a goma-laca é um ingrediente presente em vários produtos de beleza. Por exemplo, é usada em laquês (sprays) de cabelo para conferir fixação e brilho, em máscaras de cílios (rímel) e delineadores como agente aglutinante, e em certos esmaltes de unha para proporcionar brilho e durabilidade. Ela também pode aparecer em pomadas ou produtos de maquiagem como componente de base/resina natural. (Importante notar que a marca comercial “Shellac” de esmaltes para unhas não contém goma-laca de verdade, apesar do nome, sendo um produto sintético inspirado no brilho da goma-laca natural.)

  • Indústria farmacêutica: A goma-laca é amplamente utilizada como agente de revestimento de comprimidos, drágeas e cápsulas farmacêuticas. Por formar uma camada dura que resiste à água e a ácidos fracos, serve para revestimento entérico – ou seja, protege certos medicamentos da dissolução no estômago, liberando o fármaco apenas no intestino. Muitos comprimidos de aspirina, vitaminas e suplementos possuem um glaceado brilhante feito de goma-laca, frequentemente chamado de “farmacêutical glaze” (glaceante farmacêutico). Esse uso aproveita a resistência da goma-laca aos ácidos do estômago, permitindo cronogramas de liberação controlada do princípio ativo.

  • Marcenaria e acabamentos em madeira: A goma-laca é um verniz natural tradicional muito valorizado em trabalhos em madeira. Desde o século XIX, antes do surgimento dos vernizes sintéticos, ela foi amplamente usada para envernizar móveis, pisos e instrumentos musicais (violões, violinos, pianos etc.), conferindo um acabamento brilhante e durável. Técnicas clássicas como o polimento francês (French polish) utilizam goma-laca para alcançar superfícies lisas e de alto brilho em madeiras finas. A goma-laca seca rápido e sela os poros, servindo também como seladora ou fundo isolante entre camadas de outros acabamentos (evita que manchas ou taninos migrem pela pintura). Historicamente, ela também foi empregada em aplicações diversas como isolante elétrico (em eletrônicos antigos) e na fabricação de discos fonográficos de 78 RPM antes da era do vinil. Hoje, embora em parte substituída por polímeros modernos, a goma-laca ainda é usada em restauração de móveis antigos, lutheria (fabricação de instrumentos) e como componente de alguns produtos abrasivos e ceras de selagem.

Exemplos de produtos que contêm goma-laca

Para reconhecer na prática onde a goma-laca pode estar presente, seguem exemplos concretos de produtos e itens comuns que frequentemente utilizam esse insumo:

  • Doces e confeitos: Balas jelly beans, pastilhas brilhantes, dragées (confeitos drageados de chocolate) e certos tipos de chicletes e doces duros costumam ter goma-laca em seu revestimento brilhante. Esses produtos às vezes listam “glaceante INS 904 (goma-laca)” ou termos como confectioner’s glaze na lista de ingredientes, indicando a presença da resina. Por exemplo, muitas balas de goma com cobertura brilhante e chocolates com cobertura açucarada usam goma-laca para dar aquele aspecto lustroso.

  • Frutas frescas enceradas: Maçãs, laranjas, limões e outras frutas cítricas vendidas com aspecto brilhante podem ter sido revestidas com uma fina camada de goma-laca como cera protetora. Esse revestimento ajuda a conservar a fruta, mas significa que mesmo alimentos “in natura” podem conter um derivado animal na casca. Consumidores veganos frequentemente precisam lavar bem ou descascar frutas enceradas para removê-la, ou buscar frutas orgânicas sem esse tipo de cobertura.

  • Medicamentos e suplementos: Vários comprimidos e drágeas farmacêuticas possuem goma-laca. Por exemplo, comprimidos de aspirina “enteric coated” (revestidos) de 81 mg, alguns multivitamínicos, pílulas de suplementos e cápsulas de medicamentos controlados são frequentemente cobertos com goma-laca para fins de liberação entérica ou simplesmente como glaceante. Na bula ou rótulo, pode constar “resina de goma-laca” ou “glaceante farmacêutico”. Consumidores veganos que desejam evitá-la devem verificar a composição de medicamentos e, se necessário, solicitar alternativas sem esse revestimento (quando disponíveis).

  • Produtos cosméticos: Certos cosméticos convencionais incluem goma-laca. Máscaras de cílios (rímel) e delineadores líquidos muitas vezes listam “Shellac” na composição (INCI) como agente formador de filme para dar aderência e resistência à água. Sprays de cabelo (laquês) também podem conter goma-laca diluída como base fixadora. Alguns esmaltes de unha tradicionais utilizavam resinas naturais incluindo goma-laca, embora hoje seja mais comum o uso de polímeros sintéticos. É sempre recomendável checar rótulos; por exemplo, se um rímel mencionar “shellac” ou “resina de laca”, trata-se da goma-laca de origem animal.

  • Artigos de madeira e restauração: Vernizes e seladores à base de goma-laca são vendidos para uso em marcenaria. Um exemplo é a goma-laca em escamas disponível em lojas de materiais artísticos ou de restauração de móveis, que vem pronta para dissolver em álcool e aplicar como verniz natural. Instrumentos musicais artesanais, como violões e violinos de luthier, frequentemente levam acabamento de goma-laca (polimento francês) em vez de vernizes sintéticos. Embora esses não sejam produtos de consumo alimentar ou cosmético, vale citar como exemplo de uso do insumo no setor de materiais e acabamento.

Considerações para o público vegano

Para veganos e pessoas que buscam evitar ingredientes de origem animal, a goma-laca não é considerada vegana. Por ser derivada de insetos (que são parte do reino animal), a goma-laca é classificada como ingrediente de origem animal. Organizações e publicações voltadas ao veganismo enfatizam que a produção de goma-laca explora e costuma matar uma grande quantidade de insetos, já que os lac bugs muitas vezes morrem durante a colheita da resina. Portanto, produtos que contêm goma-laca são normalmente evitados por veganos, assim como se evita outros produtos apícolas (ex.: mel, cera de abelha) e ingredientes de insetos esmagados (como o corante carmim/cochonilha).

É importante mencionar que a goma-laca pode aparecer mascarada sob diferentes nomes nos rótulos. Em ingredientes alimentícios, pode vir descrita como goma-laca, resina de laca ou apenas pelo código E904. Em mercados internacionais, frequentemente surge nos rótulos como “confectioner’s glaze”, “resinous glaze”, “confectioner’s resin” ou outros termos como “natural glaze” (todos sinônimos que se referem à goma-laca). No setor cosmético pode constar simplesmente Shellac (nome INCI) na lista de componentes. Por isso, para a comunidade vegana, é fundamental ler atentamente os rótulos e conhecer essas denominações alternativas a fim de identificar e evitar o consumo de goma-laca inadvertidamente. De modo geral, qualquer produto que liste goma-laca ou seus sinônimos deve ser considerado de origem animal e não vegano.

Como alternativas veganas, a indústria tem empregado outros agentes de brilho e revestimento, como ceras vegetais (por exemplo, cera de carnaúba) ou resinóides sintéticos. Um exemplo promissor é o uso de proteína de milho (zeína) para substituir a goma-laca em coberturas comestíveis, obtendo efeito brilhante semelhante sem envolver exploração de insetos. Para consumidores veganos, optar por produtos certificados como veganos ou cruelty-free é a maneira mais segura de evitar ingredientes como a goma-laca. Em suma, a goma-laca é um ingrediente versátil e amplamente usado na indústria, porém devido à sua origem (uma resina obtida de insetos) ela não se alinha aos princípios do veganismo, sendo recomendável buscar alternativas de origem vegetal ou sintética que cumpram funções equivalentes sem envolver produtos animais.

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