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Sobre
a “Libertação Animal”
e o Veganismo
Autor: Dennis Zagha Bluwol,
Geógrafo
dennis@guiavegano.com
Colocadas estas primeiras reflexões, posso prosseguir
no sentido da discussão das questões sobre
o modo como os animais são encarados em nosso mundo.
Algumas reflexões muito bem feitas já foram
realizadas sobre este tema, destacando-se a essencial obra
de Peter Singer “Libertação Animal”.
Como reflexão no campo da ética este livro
nos apresenta argumentos suficientes para se ir contra qualquer
tipo de exploração contra animais, dada a sensibilidade
(capacidade de sofrer) destes seres, dados os impactos ao
meio-ambiente resultantes da indústria da carne, aos
fatores ligados à questão da fome no mundo,
entre outros pontos de análise. O objetivo aqui não é repetir
o que já foi escrito neste ou em outros vários
textos importantíssimos, mas colocar algumas das discussões
do que hoje é conhecido como movimento de libertação
animal dentro da proposta deste artigo, numa tentativa de
aprofundar a discussão em certos sentidos e apontar
para possíveis resoluções para estas
problemáticas.
Novamente coloco a questão do conceito de natureza
para abordar esta questão. Animais são parte
na natureza. Todos os animais. Por exemplo, o ser humano
e as relações que possui com o resto do mundo.
O fato de existir conflitos entre os animais nos mostra que
um conceito de natureza que a vê como algo bucólico,
paradisíaco e distante é algo irreal. A grande
questão não é apontar ou propagar uma
idéia fictícia de que natureza é sinônimo
de paz total. O conflito é parte da natureza. Não
existe mundo sem conflito. A questão, portanto, é que
animais não humanos podem ter conflitos entre si,
mas só o animal humano é capaz de explorar
premeditadamente, intensivamente e imoralmente outros animais,
o que faz com que essa exploração seja muito
pior do que a feita por parasitas de outras espécies
sem capacidade de discernimento, abstração
e reflexão.
Em linhas gerais, a relação que o ser humano
atual possui com outras espécies animais pode ser
definida em uma palavra: especismo. Ou seja, há um
preconceito colocado em nossa sociedade que diz que outras
espécies animais são menos dignas de respeito
e bons tratos do que nossa espécie. É o mesmo
discurso do racismo, do sexismo, ou de outros preconceitos
de caráter excludente de uma parte dos seres por razões
não explicáveis ou não defensáveis
moralmente.
Assim, animais não humanos podem ser engaiolados,
enjaulados, acorrentados, treinados, debicados, isolados,
paralisados, testados, pendurados...e, principalmente, assassinados.
Mortos por um motivo mesquinho e não mais justificável
no mundo atual: para que seu cadáver seja devorado.
Não é mais possível justificar essa
barbárie, pois hoje sabemos que nutricionalmente o
consumo de carne, leite e ovos não apresenta nenhum
diferencial no que se refere aos nutrientes necessários
ao ser humano em relação ao que se pode obter
através de fontes vegetais, a não ser aspectos
negativos, como o excesso de gorduras. Ambientalmente a indústria
da carne é repulsiva, por usar e poluir uma quantidade
gigantesca de água, por destruir áreas gigantescas
de florestas para a criação de pastos ou de
grãos para a alimentação do gado, ou
por destruir a camada de ozônio através do gás
metano liberado pelos animais concentrados, que chega a ser
30 vezes mais destruidor do que o gás carbônico
liberado por automóveis.
É uma opção alimentar infeliz e injustificável.
Como esta discussão se encaixa no eixo central deste
artigo?
Para que essa repulsiva indústria exista nos moldes
que existe hoje, não podemos enxergar-nos como parte
desta mesma natureza que é presa, torturada e abatida
nas fazendas-fábricas e seus matadouros. Não
podemos nos sentir parte desta situação assustadora.
Aí, mais uma vez se encaixa a proposta do conceito
do que é a natureza posto para nós como uma
verdade indiscutível, como analisado no início
deste artigo. O ser humano não se vê como um
animal, pois se considera os animais como aqueles seres inferiores
e sem consciência que estão aqui para nos servir.
Até bem pouco tempo atrás se mudássemos
a palavra “animais” por “negros” na última
sentença, ela seria lida com a maior tranqüilidade,
sem causar espanto em boa parte da população
não negra.
Novamente voltamos à questão: toda a natureza é explorada
do modo como é hoje por um certo objetivo: a acumulação
de capital, que é o objetivo do capitalismo.
O que é uma vaca para um burguês? É uma
máquina onde se coloca grãos e cereais baratos
e abundantes (que poderiam alimentar um enorme número
de pessoas a baixos custos) e se retira, ao final do processo
(que é cada vez menor dado ao uso de hormônios
e antibióticos), carne com um valor comercial bem
maior do que o dos grãos e cereais, que será vendida
para uma parcela da população mundial que possui
dinheiro para isto e está disposta a trocá-lo
por este pequeno e injustificável prazer degustativo
momentâneo.
A vaca, a galinha, os porcos, enfim, todos os animais são
apenas matéria-prima para indústrias altamente
lucrativas para seus donos. Donos estes que não se
importam nem o mínimo com o sofrimento destes animais,
com as horríveis condições de vida a
que são submetidos (leia “Libertação
Animal”), com os impactos ambientais calamitosos provocados
por esta indústria, com o número dezenas de
vezes maior de pessoas que poderiam ser muito bem alimentadas
com as fontes vegetais de nutrientes se não as déssemos
para o gado, com a grande área de floresta que seria
poupada do desmatamento para a criação de pastos
e grãos, com a imensa quantidade de água que é desperdiçada
ou poluída com dejetos do gado, etc.
Aliás, é bom colocar que é claro que
a problemática da fome no mundo pode ser observada
sob o prisma da concentração de renda e da
concentração fundiária existente em
vários locais do mundo, inclusive, de forma violenta,
no Brasil. É impossível desconsiderar isto.
Porém, é bom ressaltar que a questão
não é só esta. Suponha que um dia estas
concentrações terminem e todos possam ter acesso
ao que quiserem, pelo menos para se alimentar, a mais básica
das necessidades. Se todos, considerando a população
mundial atual que cresce vertiginosamente, desejarem pratos à base
de carne, leite e ovos, de acordo com pesquisas recentes,
precisaríamos de pelo menos quatro planetas como a
Terra para criar todos esses animais. E este número
varia para mais, se considerarmos outros luxos de classes
mais abastadas e consumidoras de produtos industrializados
em excesso. Ou seja, mesmo que se quisesse, seria impossível
alimentar toda a população do mundo com carne,
ovos ou leite. Não há condições
pelos próprios limites do planeta. Portanto, é totalmente
contraditório se defender uma posição
contra o modo de produção exploratório
hoje existente e continuar incentivando o consumo de animais.
Não é possível existir uma sociedade
mais justa e igualitária no mundo se não se
mudar o mais essencial dos atos, que deveria ser praticado
por todos algumas vezes ao dia: se alimentar.
Temos então o Capitalismo, com seu conceito alienante
de natureza, explorando a tudo e a todos em nome da acumulação
de capital. A exploração de animais não
humanos é um destes tipos de exploração.
Como qualquer tipo de exploração, principalmente
de seres sensíveis, é injustificável
e imoral, assim como a exploração do ser humano
transformado em força de trabalho nas mãos
destes mesmos carrascos.
Libertar os animais desta terrível situação
só pode ocorrer simultaneamente à libertação
do homem desta mesma situação exploratória,
assim como a libertação de todo o planeta.
Uma das mudanças essenciais para se chegar a isto é alterarmos
o que consideramos ser nossa natureza e nos vermos novamente
integrados ao resto do mundo, agindo em prol do bem comum
e da melhoria da qualidade de vida de todos.
A burguesia, com o auxílio de uma de suas mais execráveis
armas, o marketing, embute nas pessoas cada vez mais necessidades
superficiais que se tornam centrais na vida de um número
altíssimo de pessoas, mesmo naqueles que não
podem pagar por elas, mas que não por isso não
possuirão o desejo de um dia possuir algo daquilo
que o protagonista acéfalo da novela adquiriu, ou
do que o comercial que associa mulheres semi-nuas e juventude
desmiolada ao sucesso e bem estar nada sutilmente lhe ordena
comprar. Tais necessidades fazem a produção
de mercadorias crescer vertiginosamente e continuamente,
a acumulação de capital ser cada vez maior
e, portanto, a exploração da natureza alcançar
patamares cada vez mais insustentáveis: mais exploração
de matéria-prima, de trabalhadores ou de animais usados
como ingredientes ou como cobaias em inúmeros e sofridos
testes em seus organismos a cada novo ingrediente ou fórmula
desenvolvida. Cada novo produto lançado é uma
nova facada contra nós mesmos. É um atentado
contra a natureza.
Ai das indústrias se as pessoas tivessem o discernimento
de que elas são também natureza e de que não
podem ser vistas como matéria-prima. Sim, as pessoas
são vistas no mesmo nível de importância
que um pedaço de bauxita pelos burgueses. Apenas têm
nomes diferentes no processo exploratório: um é matéria-prima,
o outro é força-de-trabalho. A única
diferença é que este último precisa
comer, e portanto precisa de seu ínfimo salário,
não que isso seja um grande problema, já que
o salário é uma pequenina parte valor do que
essa força-de-trabalho cria com aquela matéria-prima.
O resto é lucro. E se há lucro, é com
a natureza que o burguês vai se preocupar? Que se explore
mineral, vegetal, animal não humano ou animal humano. É assim
que o modo de produção que estamos inclusos
opera.
Se quisermos caminhar na direção de um movimento
de “libertação animal” que possua
alguma chance de sucesso, não podemos deixar estas
questões de lado. Libertar os animais de sua condição
de vida atual sem pensar em libertar também os humanos
e todo o resto da natureza das reais forças por trás
das explorações, é um trabalho fadado
ao fracasso. Não podemos querer um capitalismo vegano,
como parece ser o caso em muitos discursos. Capitalismo e
veganismo, como tentei mostrar durante este texto, ainda
que com outras palavras, são práticas contraditórias.
Não podemos deixar que o capitalismo se aproprie do
vegetarianismo como se este fosse apenas um nicho de mercado.
Não somos um nicho de mercado. Devemos ser uma opção
real de luta contra qualquer exploração, no
caminho de um futuro mais justo, igualitário e, para
todos os seres, prazeroso
Índice
O
Conceito de Natureza como forma de compreender a realidade
Sobre
os Movimentos de Proteção do Meio-Ambiente
Sobre
a “Libertação Animal” e o Veganismo
Conclusões
propositivas
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