Entrevista com Efraim Rodrigues
Quem pode trocar objetos em perfeito estado de uso, troca. As pessoas são o que ostentam.
Consumidor Consciente
entrevista com Efraim Rodrigues
Por Anna Elisa Nicolau dos Santos - Redação EcoTerra Brasil
Efraim Rodrigues é Doutor em Ecologia pela Universidade de Harvard, professor de Preservação de Recursos Naturais na Universidade Estadual de Londrina e consumidor consciente assumido. Confira algumas de suas idéias nesta entrevista concedida.
Como
caminha a questão do Consumo Consciente no Brasil e no mundo? Como
estão os brasileiros com relação à consciência de consumo?
A
questão não caminha, ela tropeça e cai. A não ser por conta de meia
dúzia de lunáticos, nos quais se incluem eu e boa parte dos visitantes
do site EcoTerra Brasil, quem pode comprar um carro maior, compra. Quem
pode pagar pela água que gasta, gasta. Quem pode trocar objetos em
perfeito estado de uso, troca. As pessoas são o que ostentam. Já que
temos uma tendência a um fetichismo da mercadoria, por que não adotar
um fetichismo com aspectos positivos? O relógio que me ‘acompanha’ é o
mesmo há anos. É claro que este relógio mostra os sinais de quase dez
anos no meu pulso, dia após dia, e como não é uma marca chique, não irá
comunicar para as pessoas ao meu redor que ganho grandes somas de
dinheiro. Mas é um velho amigo, terei grande resistência em descartá-lo
se ele quebrar. Na verdade, já consertei este relógio duas vezes.
Talvez tenha gasto mais do que para comprar um novo, mas pago para não
jogar um velho e fiel companheiro fora. Já que o fetichismo da
mercadoria é algo que quase decorre de nossa natureza humana, que pelo
menos seja de caráter positivo. O meu fetichismo tem melhores
resultados ambientais, além é claro, de atrair pessoas mais agradáveis.
O senhor diz que são duas as correntes ligadas ao aumento da sustentabilidade no mundo. Quais são elas?
Os
anglo-saxões, tanto os norte-americanos quanto os europeus, criaram uma
invejável estrutura de conhecimento, infra-estrutura e conforto em seus
países. A falta de matérias-primas ameaça estas estruturas e os mais
esclarecidos temem isto. Por outro lado, na cultura oriental, existe um
ideal zen-budista que chama a simplicidade, a ausência de posses. Para
os primeiros, que vêm da lógica protestante do trabalho, a economia de
recursos é um fato recente. Neste momento em que o mundo todo se
ocidentaliza, a tendência geral em prol da sustentabilidade é muito
negativa, porque esta ocidentalização se dá com o pior, e não o melhor
do ocidente. A preocupação com o futuro, no ocidente, ainda é monopólio
das elites intelectuais, enquanto a Britney Spears é patrimônio de
todos. No Oriente, a China que fazia sua agricultura milenar baseada na
reciclagem de matéria orgânica (humana, inclusive), perde espaço para a
China que produz mercadorias, descartáveis em sua grande maioria, para
a maior parte do mundo.
Em que país do mundo os cidadãos têm mais consciência de consumo?
Não
sei. Aliás, acho que esta busca por ser melhor que outros está muitas
vezes associada a um descaso com o ambiente que nos cerca. Ao focar na
competição, muitas vezes esquecemos da interação com nosso ambiente.
Muitos países, no entanto, têm experiências que devemos copiar, como o
manejo de água de irrigação israelense, a reciclagem da água dos
lavatórios japonesa, a coleta de água da chuva nas estradas da Ilha da
Madeira, o uso de fontes geotermais de água da Islândia, a consideração
com o consumo que os habitantes da Nova Inglaterra têm ao ir às
compras, assim como as muitas composteiras domésticas.
Quais os maiores problemas relacionados ao ‘consumo inconsciente’?
O maior, e único problema, é gastarmos muito mais recursos do que precisamos para viver.
O que significa a ‘genética do consumismo’?
Desde
o vírus primordial, do qual nos originamos há seis bilhões de anos,
precisamos carregar o máximo de recursos para nós e nossa prole, para
garantirmos nossa sobrevivência como indivíduos e como espécie. Somos
programados para consumir o máximo possível quando há recursos, para
garantir o tempo das vacas magras. Esta programação funcionou por seis
bilhões de anos, mas agora nos está intoxicando, tanto como pessoas,
quanto o planeta inteiro.
O problema do consumo é cultural?
Ele
tem uma dimensão cultural, já que é exacerbado pelo fato que quanto
mais as pessoas consomem, mais elas aumentam o lucro umas das outras. É
uma roda viva, na qual a mídia repete a cada instante que devemos
comprar de tudo, e ao fazermos isto, possibilitamos que outros façam
também. A exacerbação do consumo tem uma dimensão cultural, mas repito,
ele faz parte da programação humana em um nível muito profundo. Ao se
tomar consciência disto, devemos negociar com esta ‘programação’
genética e nos perguntarmos se o carro novo e maior que queremos
comprar é realmente útil, se realmente precisamos de um carro novo e se
estamos dispostos a pagar o preço de trabalhar mais para tê-lo.
O senhor diz que são duas as portas de entrada para o consumo consciente. Quais são elas?
Uma
é a economia do próprio dinheiro, a outra é a preocupação com o
planeta. No primeiro caso você começa por querer ser eficiente com o
próprio dinheiro, e por vezes (não sempre) amplia sua visão para
imaginar que cidades, estados e países devem também usar os recursos
(inclusive os não financeiros) da melhor maneira possível. A segunda já
parte de uma preocupação ambiental a priori, e inclusive se dispõe a
gastar mais para adquirir produtos com menor impacto ambiental.
Enquanto um é mais disposto a não consumir, o outro é mais disposto a
consumir produtos corretos. Ambas são positivas.
Como seria um típico consumidor consciente, existe um ideal para ser seguido?
Se
você persegue um ideal não é consciente. Pessoas conscientes vão olhar
para seu próprio modo de vida e tentar melhorá-lo o máximo possível
dentro das possibilidades. Eu sou o meu próprio ideal de vida, assim
como recomendo que todos sejam os seus próprios também. O ideal é estar
consciente das conseqüências das próprias opções de consumo e
identificar os passos que são possíveis. Acredito, porque passei por
este processo, que seja possível para muitas pessoas, em muitas
situações, andar mais a pé do que andam. Isto traria melhoras para elas
mesmas e para o planeta. Acredito que seja possível também, para muitas
pessoas, gastar muito menos água do que se gastam, sem reduzir sua
qualidade de vida. Acredito que não precisariam trocar objetos novos
porque perderam a aparência de novos. Acredito inclusive que muitas
delas sofrem em empregos que não lhes agradam para pagar por tudo isto,
enquanto se comprometem os recursos naturais do planeta.
O senhor se considera um consumidor consciente? O que significa estar realmente envolvido com esta questão?
Acho
que sou mais consciente que a média, mas muito menos consciente do que
poderia ser. A Editora que fundei, por exemplo, só usa embalagens
reutilizadas, que pegamos no supermercado e processamos para termos
embalagens apresentáveis (nem todos os nossos clientes são conscientes)
a custo ambiental muito baixo. Evitamos muito usar a impressora e,
quando fazemos, 99% do tempo é em papel reutilizado. Em minha casa,
reciclo todos os resíduos da cozinha e boa parte da água da pia da
cozinha. Todo o material que sai de lá, vai para a coleta seletiva.
Plantamos morangos, tomates, uvas e maracujá no húmus criado pela
decomposição da matéria orgânica. Infelizmente, ainda tenho que usar
meu carro mais do que gostaria. Também sou responsável por um
significativo gasto de querosene de aviação, pois viajo muito para dar
palestras. Os livros que vendo consomem uma grande quantidade de papel
que pelo menos, apesar de todo impacto ambiental que causam para sua
produção, representam uma maneira bastante positiva de seqüestrar
carbono nas prateleiras de dezenas de milhares de prateleiras de
bibliotecas pessoais e públicas Brasil afora.
O que muda no cotidiano de quem se torna um consumidor consciente?
Para
mim, não existiram perdas em me tornar um consumidor mais consciente do
que já fui, porque só adotei práticas que me trouxeram benefícios. Pode
parecer estranho para a pessoa que cuida de uma cozinha de maneira
convencional, mas reciclar os resíduos em uma composteira dá menos
trabalho do que ficar levando sempre o lixo para fora. Quando saio de
viagem, não tenho que pensar se tem restos de peixe no lixo da cozinha.
Se eu tiver comido peixe, quando voltar, só haverá as espinhas no
composto, e depois de alguns meses, nem mais elas serão distinguíveis.
Quanto às embalagens ambientalmente corretas que utilizamos, elas não
são só corretas, como também são mais baratas. A bicicleta, como
percebi, ganha do carro em trechos curtos, para não falar que é muito
mais razoável gastar 10 minutos a mais em um trecho mais comprido, do
que uma hora em uma academia. Em muitos momentos, a economia de
recursos para o planeta bate com a economia para o próprio bolso (como
é também o caso da bicicleta). Em outros momentos, descobrimos coisas
que os consumidores normais não percebem. Para a maior parte das
pessoas levar uma sacola para o supermercado é um trabalho a mais. Se
você um dia se der ao trabalho de experimentar, verá que é muito mais
fácil trazer as compras para casa em poucas sacolas com alças grandes
decentes, do que em um mundo de sacolinhas com alças de plástico.
No
livro ‘Biologia da Conservação’ o senhor fala que o consumo consciente
é uma entre as várias correntes que visa reduzir ou racionalizar o
consumo de recursos naturais no planeta. Pode falar um pouco sobre
estas outras correntes?
A certificação ambiental garante a
origem de produtos de consumo, a biologia da conservação visa evitar a
extinção de espécies, os programas de conservação de energia visam
usá-la de maneira eficiente, a ecologia da restauração visa a
reconstrução de áreas que perderam suas características originais e a
permacultura visa integrar a produção agrícola, a moradia das pessoas
que trabalham nesta produção.
Em seu livro, Biologia
da Conservação, você afirma que a Terra está passando pelo sétimo
evento de mega-extinção em sua história e que a espécie humana é a
única responsável por isso. Quais as principais estratégias para
atenuar esta mega-extinção?
Reduzir a extinção de
espécies exige esforços combinados de várias áreas. Esforços de
curtíssimo prazo, de natureza legal e policial, esforços de médio
prazo, de aumento do conhecimento da dinâmica das populações, e ações
de longuíssimo prazo, de natureza educacional.
O que é Biologia da Conservação?
Um
agregado de diferentes áreas da Biologia voltado para evitar a extinção
de espécies. Faz parte de um continuum histórico que ampliou os
horizontes da Biologia para a Ecologia no final dos 1800, e da Ecologia
para a interação com a sociedade no final dos 1900.
Fonte: www.ecoterrabrasil.com.br
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