No
dia 03 de dezembro de 2008, foi apresentado o Trabalho de Conclusão
de Curso de Cozinheiro (TCCC) de mais uma turma de formandos no SENAC,
em Porto Alegre. Seria talvez apenas mais um menu entre tantos se o
grupo não tivesse uma proposta radicalmente diferente, até então
inédita na escola de gastronomia do SENAC. Os alunos Alan Chaves, Daniel
Carcuschinsk, Eduardo Chassavoi Maister e Suzane Nunes de Abreu decidiram
preparar uma refeição completa sem utilizar qualquer ingrediente de
origem animal.
A
razão da escolha é simples: um deles é vegano, isto é, uma pessoa
que não utiliza qualquer produto de origem animal, não só na alimentação
mas também nas demais formas de consumo, por acreditar que os animais
são sensíveis, conscientes e, por princípio ético, não devem ser
explorados e mortos para satisfazer interesses humanos. Não que Alan
Chaves, 27 anos e vegano há 8, tenha tentado “catequizar” os colegas,
muito pelo contrário: “Não entrei no curso para buscar conflito
e tinha ciência de que não trabalharia apenas com vegetais, mas, infelizmente,
não achei nada estritamente vegetariano que me garantisse capacitação
técnica do nível de um curso do SENAC.” Apesar de sua posição
filosófica, segundo Alan, o decorrer do curso foi tranqüilo, e tanto
os mestres-chefs como os colegas de aula foram bem receptivos à sua
opção. Tanto que, chegada a hora de apresentar o TCCC, partiu do seu
grupo a idéia de criar pratos totalmente vegetarianos.
A
idéia foi considerada muito original pelo orientador do grupo, o professor
Marcus Jiorge dos Santos:
Com essa proposta diferenciada, o desafio
foi mostrar que as técnicas da culinária são aplicáveis aos mais
variados cardápios, inclusive o estritamente vegetariano.
No
dia da apresentação, a agitação era grande não só na cozinha do
SENAC, onde o grupo preparava o cardápio, mas também do outro lado
da parede envidraçada, onde parentes, amigos e colegas de curso observavam
tudo com curiosidade. “Esse é o grupo vegetariano”, cochichavam
alguns. “Sim, e o prato deles foi bem bolado, mas, para mim, sem carne
não tem condições”, alguém comentou. “O que será que eles estão
preparando?”, era a pergunta que pairava no ar. “Não sei, mas acho
que vão fazer tudo de soja”, foi a resposta.
Na
posição de coordenador do Grupo Porto Alegre da Sociedade Vegetariana
Brasileira (SVB), fui convidado a participar da banca avaliadora e,
assim, tive a oportunidade de conferir o cardápio de perto. E não,
os criativos alunos não caíram no pecado de “fazer tudo de soja”.
Mostraram técnica, bom gosto e apuro na elaboração do menu.
A
entrada foi um delicioso ninho de espinafre e tomate frito, com delicado
sabor agridoce. O prato principal foi um espetacular triunvirato: funghi
flambado, acompanhado de risoto de tomate seco e falafel (bolinhos de
grão-de-bico com molho de gergelim). A sobremesa: petit gâteau à
moda vegana, com pistache, cerejas e um nada óbvio recheio à base
de licor de menta.
Missão cumprida:
os alunos Eduardo Chassavoi Maister, Suzane Nunes de Abreu, Daniel Carcuschinsk
e Alan Chaves, juntamente com o orientador Marcus Jiorge dos Santos
e os membros da banca examinadora, após apresentação do TCCC vegano
no SENAC.
Todos
os membros da banca apreciaram a refeição e aplaudiram o trabalho
do grupo, aprovado com louvor. Nos comentários, foi destacado que,
hoje, em mundo em que o número de vegetarianos cresce a cada dia e
onde muitos buscam comer menos carne, os profissionais da culinária
precisam estar preparados para confeccionarem refeições completas,
nutritivas e apetitosas sem utilização de ingredientes de origem animal.
Como
se não bastasse o fato de a refeição vegana ser mais ética, compassiva,
saudável e ecológica, o grupo frisou, ainda, o baixíssimo custo
per capita de cada refeição do menu por eles elaborado: apenas
R$8,00.
Nigella
Lawson, uma das mais importantes jornalistas na área de gastronomia
e culinária, colunista do New York Times, certa vez escreveu que, para
ela, seria um pesadelo um dia acordar e se encontrar vegetariana, pois,
como cozinheira, se sentiria como um pintor que se visse diante de uma
paleta sem algumas cores. Em contraponto, com seu trabalho, o grupo
de Porto Alegre provou que um Picasso não precisa de tantas cores assim
para ser um Picasso. Para trazer à luz toda genialidade de uma “Fase
Azul”, basta saber usar as tintas que se possui.
Texto: Rafael
Bán Jacobsen*
Fotos: Gabriel
Garcia Soares
*Rafael
Bán Jacobsen é fundador e atual coordenador da Sociedade
Vegetariana Brasileira (SVB) em Porto Alegre, proferindo palestras sobre
o tema em encontros nacionais (site www.svbpoa.org). Recebeu o prêmio
“Ativista Vegetariano do Ano” conferido pela Sociedade Vegetariana
Brasileira por ocasião do 1º Congresso Vegetariano Brasileiro e Latino-Americano
(2006). Participa, ainda, do Grupo pela Abolição do Especismo (GAE)
de Porto Alegre (site: www.gaepoa.org), entidade que, além de promover
o estudo crítico de textos filosóficos sobre o abolicionismo animal,
realiza periodicamente manifestos de grande repercussão no Rio Grande
do Sul e é colunista do badalado site de vegetarianismo Vista-se (www.vista-se.com.br).